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O Brasil encontra-se em fase avançada para obter, junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a certificação de eliminação da transmissão vertical (TV) do HIV. Essa validação reconhece os países que atingem níveis sustentados muito baixos de transmissão de mãe para filho e possuem sistemas de saúde estruturados para garantir o cuidado materno-infantil. Em 2023, o país registrou taxa de transmissão vertical abaixo de 2% e incidência de HIV em crianças menor que 0,5 por 1.000 nascidos vivos, valores compatíveis com os critérios internacionais.
O Brasil, por sua dimensão continental e grande heterogeneidade regional, enfrenta desafios únicos para alcançar a eliminação da transmissão vertical do HIV. Manter altas coberturas de pré-natal, garantir início oportuno da terapia antirretroviral (TARV) e estruturar sistemas de informação robustos são pontos críticos num país de escala continental. Ainda assim, o país tem avançado de forma consistente e se aproxima dos critérios internacionais.
A iniciativa de eliminação da transmissão vertical foi lançada pela OPAS em 2010, com a Estratégia e Plano de Ação para HIV e sífilis, ampliada em 2017 (EMTCT-Plus) para incluir hepatite B e doença de Chagas. Outros países já receberam a certificação, como Cuba (2015), Dominica (2020), Belize, Jamaica e São Vicente e Granadinas (2024), o que demonstra que a eliminação é possível e que o Brasil está no caminho certo para se tornar o maior país do mundo a conquistar esse reconhecimento.
A introdução da testagem rápida para HIV transformou a forma como o Brasil enfrenta a transmissão vertical. Antes, o tempo entre a coleta do exame e a entrega do resultado podia significar semanas — ou até meses — e, nesse intervalo, muitas gestantes eram perdidas no seguimento, sem iniciar a TARV em tempo de proteger o bebê.
Com o teste rápido, o diagnóstico passou a ser imediato, permitindo iniciar o tratamento já na mesma consulta. Isso eliminou um dos principais gargalos históricos da prevenção: a perda de oportunidade. Graças a esse avanço, a mulher não precisa esperar resultados laboratoriais ou retornar em outra data — a decisão clínica e o início do cuidado são imediatos.
Outra contribuição fundamental é a possibilidade de testagem na admissão para o parto, em casos de mulheres que não realizaram pré-natal. Essa estratégia assegura que mesmo em cenários de vulnerabilidade ou baixa adesão, a criança tenha acesso a medidas preventivas, como profilaxia antirretroviral, reduzindo drasticamente o risco de infecção. Assim, a testagem rápida não apenas amplia cobertura, mas salva vidas em situações críticas.
A grande força da testagem rápida está na sua simplicidade. O exame pode ser realizado por qualquer profissional de saúde devidamente capacitado, inclusive por meio de treinamentos a distância (EaD), como os oferecidos pelo Telelab do Ministério da Saúde. Isso permitiu descentralizar a testagem para milhares de unidades básicas de saúde em todo o território nacional, inclusive em áreas remotas, quebrando a dependência de laboratórios centrais e garantindo acesso universal.
Outro ponto essencial é que a testagem rápida não exige pedido médico formal. Basta a gestante ou a mulher em idade fértil procurar a unidade de saúde para que o teste seja oferecido, o que reduz barreiras burocráticas e amplia o alcance populacional.
O avanço da distribuição de testes rápidos no Brasil ilustra essa priorização. Em 2012, foram distribuídos aproximadamente 2.307.615 testes rápidos de HIV em todo o país. Em 2023, esse número atingiu 16.006.013 unidades, um crescimento de quase sete vezes no período. Esse aumento geral permite inferir também maior disponibilidade para gestantes, contribuindo para a ampliação da cobertura no pré-natal. A introdução do teste rápido “duo” no pré-natal, a partir de 2024, reforçou esse processo ao garantir detecção simultânea de HIV e sífilis em uma mesma consulta, fortalecendo a prevenção da transmissão vertical.
O Brasil também inovou ao implementar um processo de certificação subnacional a partir de 2022, reconhecendo municípios e estados que alcançam ou se aproximam das metas de eliminação. Curitiba foi o primeiro município brasileiro a obter a certificação de eliminação da TV do HIV, mantendo-a desde então. Outros municípios, como São Paulo, Umuarama, Londrina e Maringá, também já foram certificados, e até 2024 havia mais de 150 municípios certificados em 19 estados, além de 10 certificações estaduais. Esse movimento engaja gestores locais, organiza fluxos assistenciais e qualifica a vigilância.
Cada teste rápido realizado em uma gestante é, na prática, um ato de prevenção da transmissão vertical. O diagnóstico imediato, seguido de tratamento adequado, impede que o HIV seja transmitido ao bebê durante a gestação, parto ou amamentação. A testagem rápida deve, portanto, ser entendida não apenas como um insumo diagnóstico, mas como uma estratégia de saúde pública essencial — uma ferramenta simples, segura e eficaz que transforma o curso da epidemia de HIV, protege mulheres e crianças, e possibilita que o Brasil alcance a certificação internacional de eliminação da transmissão vertical. A expansão da cobertura de testagem, aliada à incorporação dos testes “duo” e ao processo de certificação subnacional, explicam por que a eliminação deixou de ser apenas uma meta aspiracional e se tornou um objetivo factível para o país.