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https://www.archdaily.com.br/br/1034473/casa-sobreposta-office-sugurufukuda
© Kenya Chiba
Descrição enviada pela equipe de projeto. Nesta casa, os espaços não se organizam por divisões rígidas de paredes atreladas à função. Em vez disso, limites sobrepostos criam uma continuidade que transcende o ordinário. A planta, aparentemente simples e dividida em quatro partes iguais, pode sugerir à primeira vista uma sequência de ambientes idênticos, alinhados como um único estúdio. No entanto, as conexões sutis entre os cômodos e a disposição estratégica das aberturas fragmentam a percepção, impedindo que o espaço seja apreendido em sua totalidade de uma só vez.
O olhar é continuamente conduzido para dentro, despertando uma sensação de profundidade. Cada espaço não se delimita por paredes ou divisórias, mas se sobrepõe de forma sutil, preservando intervalos. Dessa sobreposição não nasce um centro definido; em seu lugar, revela-se uma constelação dispersa de perspectivas, que se expandem e se reconfiguram ao longo de toda a casa.
O hall ocupa dois dos quatro segmentos, revelando alturas que variam entre 2,1 e 6 metros. Essas transições seccionais, somadas às variações de luz natural, instauram diferentes ritmos temporais, fazendo com que os espaços paralelos sejam percebidos como fluxos distintos no interior da casa.
Além disso, o número reduzido de aberturas fragmenta a paisagem externa sem jamais revelá-la por completo, preservando sua totalidade. Em diálogo com a composição descentralizada, esse recurso faz com que a percepção da casa se projete para a cidade, enquanto a cidade, por sua vez, parece se inverter e penetrar no interior da casa.
Planos repetitivos e linhas de visão intencionalmente obstruídas geram situações em que vozes e sons atravessam o espaço, enquanto os corpos permanecem ocultos — instaurando uma sensação de distância que, paradoxalmente, se percebe como proximidade. Mesmo na ausência da visão direta, a presença dos outros se torna tangível, convocando a imaginação para completar e reinventar o espaço.
Essa sensação de “presença imaginada” encontra ressonância no filme Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (2011), de Apichatpong Weerasethakul, no qual a esposa e o filho desaparecidos retornam ao lar como fantasmas ou espíritos. Essas figuras não são tratadas como objetos de medo, mas como presenças familiares que habitam silenciosamente o espaço. Embora se manifestem em forma humana, apenas falam quando estão dentro do enquadramento; as vozes ouvidas fora dele pertencem exclusivamente aos fantasmas. Esse recurso enfatiza sua “ausência”, ao mesmo tempo em que inscreve a marca de que já estiveram ali. É justamente essa ausência que dá origem, de modo vívido, à profundidade espacial.
Esta casa, igualmente, procura deixar emergir, de modo silencioso, profundidades imaginadas e presenças invisíveis — mas inegáveis — no fluxo da vida cotidiana. Camadas de presença, luz e som se entrelaçam, expandindo o espaço para além da realidade tangível. O lar, como o mais íntimo dos lugares, é concebido como um território capaz de acolher múltiplos estratos de tempo e distância. Onde o tempo se cruza em sobreposições, o espaço guarda, em silêncio, uma vastidão que transcende o real.