O Afeganistão entrou, esta semana, no seu primeiro apagão total de Internet e de telecomunicações desde o regresso dos taliban ao poder, em 2021. As autoridades cortaram a rede nacional de fibra óptica na noite de segunda-feira, alegando tratar-se de uma medida contra o “vício” e a “imoralidade”. O bloqueio, que não tem prazo definido, deixou o país praticamente isolado do resto do mundo, com a conectividade reduzida a menos de 1% dos níveis normais, segundo o grupo de monitorização da Internet NetBlocks.
Este corte abrangeu milhares de antenas de telecomunicações e afectou também os serviços móveis, paralisando comunicações pessoais e profissionais. Fontes do Governo taliban admitiram que entre oito mil e nove mil pilares de telecomunicações foram desligados e que a suspensão vigorará “até novo aviso”. Diplomatas internacionais e agências da ONU confirmaram que as suas operações ficaram gravemente limitadas, recorrendo agora a rádios e a ligações via satélite.
“Por causa do encerramento, estou totalmente desconectado da minha família em Cabul”, disse à agência noticiosa France-Press, por mensagem de texto, um afegão de 40 anos que vive em Omã e que pediu para não ser identificado. “Não sei o que está a acontecer, estou muito preocupado.”
Apesar dos alertas internos para o impacto económico, o líder supremo dos taliban, o “mullah” Hibatullah Akhundzada, terá insistido na medida. A 16 de Setembro, já havia imposto cortes selectivos em várias províncias — de Kandahar e Helmand, no Sul, a Badakhshan e Takhar, no Norte — que agora se estenderam a todo o território.
O grupo NetBlocks considera, também, o bloqueio “consistente com um corte intencional do serviço” e classificam-no como um acto de repressão digital destinado a controlar a população e reduzir a dissidência.
Organizações internacionais sublinham, ainda, que a suspensão da rede digital impede transacções comerciais, bloqueia pagamentos electrónicos e deixa sem acesso a informação a grande parte da população. Os bancos registaram filas extensas para levantamentos, mas muitos não conseguiram fornecer dinheiro suficiente. Em algumas províncias, todas as agências bancárias permaneceram fechadas. Para muitos afegãos, o blackout é visto como uma forma de tortura psicológica, ao cortar o último elo com o exterior.
As consequências do apagão foram imediatas. O aeroporto internacional de Cabul, capital do Afeganistão, ficou praticamente paralisado. Segundo dados do serviço de rastreamento FlightRadar24, vários voos foram cancelados ou marcados com o estado “desconhecido” em plataformas de monitorização. Passageiros relataram que não estavam previstas partidas até, pelo menos, quinta-feira.
O impacto é particularmente severo para as mulheres, cuja participação no ensino e no mercado de trabalho já se encontrava fortemente restringida pelo regime taliban. Perderam a ligação a empregos digitais e a cursos online, um dos últimos canais de autonomia económica e acesso à educação. Uma estudante universitária disse à BBC que, ao descobrir que a Internet tinha sido cortada, “o mundo pareceu escuro”.
Para analistas e grupos de defesa de direitos humanos, o corte da Internet não é apenas uma medida técnica, mas parte de uma estratégia de repressão mais ampla do regime taliban. Desde o regresso ao poder em 2021, o Governo impôs restrições severas aos direitos das mulheres, limitou a liberdade de imprensa e proibiu o ensino de direitos humanos. O bloqueio digital surge agora como um novo instrumento de controlo social.
Num país onde a Internet era uma das últimas ligações ao exterior e uma rara ferramenta de empoderamento feminino, o apagão representa mais do que um corte tecnológico: é um símbolo do crescente isolamento do Afeganistão sob o repressivo regime taliban.
Texto editado por Paulo Narigão Reis