O cinema politizado cumpre um papel essencial: transformar a arte em um espaço de debate, questionamento e memória. Hoje em dia, a velocidade da informação muitas vezes banaliza acontecimentos históricos ou minimiza injustiças sociais, mas esses filmes surgem como lembretes e instrumentos de reflexão. Eles não apenas contam histórias, mas expõem estruturas de poder, dilemas éticos e escolhas que moldaram sociedades inteiras. Assistir a essas obras é, em alguma medida, revisitar o passado com olhos atentos ao presente e perceber como narrativas de resistência, denúncia e coragem permanecem relevantes.
O impacto dessas produções está em seu potencial de ampliar repertórios. Através de dramas intensos e recriações de eventos reais, o espectador é conduzido a compreender bastidores de investigações jornalísticas, intrincados jogos políticos, manipulações de governos e os riscos enfrentados por aqueles que ousaram desafiar sistemas opressores. Cada obra funciona como uma aula de história e ética, ainda que construída pela lente ficcional, capaz de nos colocar no lugar de personagens que viveram momentos de tensão e transformação.
A Revista Bula selecionou a dedo esses filmes na Netflix. Não apenas para sugerir bons filmes, mas oferecer experiências que ampliam o olhar sobre o mundo. Do jornalismo investigativo ao confronto contra regimes autoritários, da luta pelo reconhecimento da verdade às tensões entre guerra e diplomacia, essas narrativas mostram que o cinema é uma forma poderosa de pensar criticamente. Assistir a eles é aceitar o convite de mergulhar em histórias densas, questionadoras e, acima de tudo, necessárias.
Ela Disse (2022), Maria Schrader
Divulgação / Paramount Pictures
Duas jornalistas recebem a tarefa de investigar acusações de assédio contra um dos homens mais poderosos da indústria do entretenimento. Inicialmente enfrentam silêncio, medo e acordos de confidencialidade que impedem vítimas de falar. Persistentes, viajam, entrevistam mulheres e rastreiam documentos que revelam um padrão de abuso cuidadosamente escondido por décadas. Enquanto equilibram a vida pessoal com a pressão do trabalho, elas percebem que a publicação da história não é apenas uma reportagem, mas uma chance de quebrar o ciclo de impunidade. O filme acompanha cada obstáculo enfrentado e a coragem necessária para transformar relatos individuais em denúncia coletiva, mostrando como a palavra escrita pode desencadear mudanças estruturais em toda uma indústria.
Infiltrado na Klan (2018), Spike Lee
Divulgação / Focus Features
Um policial negro decide se infiltrar em um grupo supremacista branco, assumindo uma identidade falsa para desmascarar a rede de ódio que ameaça sua comunidade. Para dar credibilidade ao disfarce, conta com a ajuda de um colega judeu, que participa presencialmente dos encontros. Juntos, eles enfrentam o risco constante de serem descobertos, equilibrando astúcia e coragem em meio a discursos violentos e planos de atentado. A narrativa mostra não apenas a audácia da operação, mas também as contradições de um país que convive com o racismo institucionalizado. Enquanto a investigação avança, a linha entre vitória e desastre se estreita, revelando o peso de lutar contra ideologias que, embora subterrâneas, seguem moldando a sociedade.
O Destino de uma Nação (2017), Joe Wright
Divulgação / Focus Features
Durante os dias mais sombrios da Segunda Guerra Mundial, um político britânico recém-nomeado primeiro-ministro precisa tomar decisões que definirão o futuro da Europa. Pressionado por rivais internos, pelo medo da população e pela ameaça iminente da invasão nazista, ele se vê diante de uma escolha: negociar a paz em termos humilhantes ou convocar seu povo à resistência incondicional. Entre reuniões com militares, confrontos no parlamento e momentos de solidão, a narrativa revela os dilemas de liderança em tempos de crise. A cada discurso e a cada decisão, o personagem constrói uma identidade pública que une coragem, pragmatismo e contradições pessoais, mostrando como palavras podem se transformar em armas poderosas contra o avanço da tirania.
Spotlight (2015), Tom McCarthy
Divulgação / First Look Media
Um grupo de jornalistas investigativos recebe a missão de apurar denúncias sobre abusos cometidos por membros de uma instituição religiosa poderosa. O que começa como uma suspeita restrita se transforma em uma investigação ampla, que revela décadas de crimes sistematicamente encobertos por lideranças influentes. À medida que entrevistam vítimas, enfrentam barreiras jurídicas e sofrem pressão política, os repórteres se deparam com a dimensão de um escândalo que atinge milhares de vidas. O enredo mostra o peso da ética jornalística e a necessidade de insistir na busca pela verdade, mesmo diante de ameaças e tentativas de silenciamento. Cada documento encontrado e cada testemunho registrado compõem uma rede de provas que pode desestabilizar uma instituição secular.
Munique (2005), Steven Spielberg
Divulgação / Universal Pictures
Após um atentado que deixou atletas mortos em pleno evento esportivo internacional, um governo decide organizar uma operação secreta de retaliação. Um grupo de agentes é enviado para caçar os responsáveis, mas logo percebe que a missão, marcada por assassinatos planejados, traz um peso psicológico devastador. Enquanto perseguem alvos em diferentes países, enfrentam dilemas éticos sobre a legitimidade de suas ações e a possibilidade de se tornarem iguais aos inimigos que combatem. A narrativa acompanha a transformação desses homens, dilacerados entre o dever patriótico e a perda da própria humanidade. Cada morte executada deixa cicatrizes, revelando que a violência, em vez de encerrar o ciclo, apenas perpetua novas vinganças.
Fer Kalaoun
Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.