A HISTÓRIA: Um experiente ladrão executa o maior assalto da sua vida. Parker (Mark Wahlberg), Grofield (LaKeith Stanfield), Zen (Rosa Salazar) e uma equipa experiente, envolvem-se num golpe onde enfrentam a máfia de Nova Iorque numa missão arriscada.
“Jogo Sujo”: disponível na Amazon Prime Video a 1 de outubro de 2025.
Crítica: Manuel São Bento (aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).
Classificação * 1/2
Existe um certo tipo de expectativa que acompanha um novo filme de Shane Black. O realizador e argumentista, conhecido por longos hiatos entre projetos, construiu uma carreira com base num estilo inconfundível: diálogos rápidos e espirituosos, dinâmicas de “buddy-cop” e uma tendência para desconstruir os géneros em que trabalha. Foi com esta antecipação que me sentei para ver “Jogo Sujo” (“Play Dirty”), o seu primeiro filme em sete anos. A esperança era encontrar aquela energia cinética e inteligência mordaz que definem as suas melhores obras. Infelizmente, o que encontrei foi um eco opaco e desinspirado da sua própria voz.
Realizado pelo próprio e escrito em colaboração com Charles Mondry e Anthony Bagarozzi (“Road House”), “Jogo Sujo” segue Parker (Mark Wahlberg), um ladrão profissional a quem é dada a oportunidade de realizar um grande assalto. Para ter sucesso, terá de ser mais esperto que um ditador sul-americano, a máfia de Nova Iorque e o homem mais rico do mundo, forçando-o a aliar-se a uma equipa improvável que inclui Grofield (Lakeith Stanfield), um ator excêntrico, e a sua parceira no crime, Zen (Rosa Salazar).
Os vestígios do ADN de Black estão presentes, mas de forma ténue. A dinâmica cómica entre as personagens, especialmente no trio principal formado por Wahlberg (“The Departed – Entre Inimigos”), Salazar (“Alita: Anjo de Combate”) e Stanfield (“Judas e o Messias Negro”), ecoa o tipo de interação espirituosa que esperamos do cineasta que escreveu o primeiro “Arma Mortífera” (1987), “A Fúria do Último Escuteiro” (1991) e “O Último Grande Herói” (1993), e dirigiu “Kiss Kiss Bang Bang” (2005) e “Bons Rapazes” (2016). Existe uma atmosfera geral de “não levar nada demasiado a sério”, um humor que se estende a algumas sequências de ação propositadamente exageradas. No entanto, estes são apenas vislumbres fugazes do que poderia ter sido um filme com a sua assinatura. Onde as suas obras anteriores usavam o humor e a ação para subverter as expectativas, aqui sentem-se como elementos de uma fórmula aplicada sem grande convicção.
O maior problema de “Jogo Sujo” reside nas falhas técnicas, que são simplesmente indesculpáveis para uma produção desta escala em 2025. As sequências de ação, nomeadamente as perseguições de carros e os tiroteios, exigem uma suspensão da descrença que seria aceitável se os efeitos visuais não fossem de tão má qualidade. O CGI é uma distração constante, retirando os espectadores do filme a cada explosão mal renderizada ou fundo digital óbvio. Não são apresentados como uma piada; são apenas maus e, vindo de um estúdio como a Amazon MGM, é francamente embaraçoso. A própria realização da ação, que deveria ser um ponto forte de Black, sente-se mais confusa e dependente de uma “shaky-cam” do que da energia cinética e controlada que o caracteriza.
Narrativamente, “Jogo Sujo” é uma desilusão ainda maior. É formulaico, previsível e desprovido de qualquer rasgo de inventividade. Tendo em conta os anos que Black leva entre projetos, seria de esperar uma história mais trabalhada e original, mas o que temos é um enredo genérico que poderia ter sido realizado por qualquer um. A desconstrução de géneros ou de arquétipos de personagens, uma das suas marcas registadas, está completamente ausente. O clímax é o culminar desta preguiça criativa: um diálogo expositivo entre o “herói” e o “vilão” onde todos os detalhes do plano são revelados de forma explícita. Este é um tropo gasto que, em 2025, já não funciona como homenagem, mas sim como um insulto à inteligência dos espectadores.
O elenco, embora talentoso, pouco pode fazer para salvar o material. A química entre os atores existe, mas ninguém se destaca verdadeiramente, com a possível exceção de Stanfield, cujo papel lhe permite uma performance propositadamente exagerada que injeta alguma vida no filme. Salazar também prova, mais uma vez, ser uma atriz carismática e talentosa que merece papéis muito mais proeminentes. Até a banda sonora de Alan Silvestri (“Vingadores: Endgame”), um compositor magnífico, passa completamente despercebida, um reflexo da falta de identidade geral da obra. As tentativas de abordar temas como a liderança corrupta são superficiais e resolvidas com mais diálogos expositivos que não acrescentam qualquer profundidade.
Conclusão
“Jogo Sujo” é uma enorme desilusão. É um filme que se sente como uma imitação barata da obra de Shane Black, em vez de uma adição genuína e memorável à sua filmografia. Falha a todos os níveis, desde os aspetos técnicos mais básicos até à falta de originalidade do seu argumento. É um projeto sem alma, que desperdiça um elenco talentoso e, mais importante, o tempo do espectador, deixando-nos a pensar como é que o homem por trás de clássicos tão vibrantes pôde entregar algo tão esquecível e desprovido de paixão. É a prova de que, por vezes, a magia de um cineasta pode simplesmente desaparecer no meio dos “mandatos” narrativos dos estúdios.