Após empilhar sete álbuns irretocáveis, além de um ao vivo antológico, o Iron Maiden se deparou em “No Prayer for the Dying” (1990) com o primeiro passo em falso de sua discografia. Foi o ponto de inflexão que interrompeu uma curva ascendente de 10 anos de glórias, período em que a banda cravou seu nome no heavy metal.

Porque mesmo nos momentos de tensão que já havia enfrentado — como nas saídas de Paul Di’Anno e Clive Burr ou no estranhamento inicial entre Steve Harris e Bruce Dickinson que quase tirou o vocalista de cena ainda em 1982 —, a Donzela de Ferro parecia se fortalecer na adversidade. Não foi o que aconteceu, porém, quando Adrian Smith pulou fora no fim da década de 1980.

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A saída do guitarrista, substituído por Janick Gers, e uma série de escolhas equivocadas — incluindo local de gravação, tipo de produção e a tentativa de “voltar às raízes” — desidrataram o Maiden, que adentrou os anos 1990 com seu trabalho mais fraco até então e à beira da implosão que viria em 1993, com a saída de Bruce.

Adrian Smith está fora

O guitarrista mais querido dentre os fãs de Iron Maiden, Adrian Smith deixou a banda no início de 1990 alegando divergência com os rumos tomados por Steve Harris para o álbum seguinte. Mais especificamente, com o som “despojado” que o baixista queria revisitar e que caracterizou “No Prayer for the Dying”.

Após discos elaborados e complexos, como Somewhere in Time (1986) e Seventh Son of a Seventh Son (1988), a cúpula do Maiden entendeu que era hora de simplificar um pouco as coisas. Algo que não agradou Smith, cujo ponto de vista ele sintetizou à rádio Planet Rock em 2020:

“Estávamos com uma sonoridade mais produzida, talvez mais refinada. O que Steve queria fazer depois disso, talvez Bruce também, era um som mais ‘direto e reto’. Ele estava com o estúdio móvel dos Rolling Stones, não tínhamos tantas músicas prontas e, para ser sincero, eu estava sofrendo com isso.”

Na biografia “Iron Maiden: Run to the Hills” (1998), do jornalista britânico Mick Wall, o guitarrista dá ainda mais detalhes dos motivos de seu descontentamento:

“A vibe era ‘vamos voltar a fazer músicas com sonoridade bem crua, como no álbum Killers‘, e eu não queria fazer aquilo. Achava que estávamos na direção certa com os dois últimos discos, e, para mim, a banda daria um passo atrás ao abandonar tudo aquilo. Sentia que a gente devia continuar seguindo em frente e, portanto, aquela abordagem não me parecia correta. Minha postura, porém, não foi: ‘Beleza! Eu tô saindo!’. Eu só não estava 100% seguro das coisas.”

No fim das contas, não houve um pedido de demissão formal, tampouco Adrian Smith foi sumariamente demitido. Segundo escreveu Bruce Dickinson em sua autobiografia “Para que serve este botão?” (2017), o guitarrista simplesmente “saiu”:

“Ninguém esperava por aquilo, acho que nem o próprio Adrian, da mesma forma que ninguém escolhe pisar em areia movediça ou jogar amarelinha em campo minado. É famoso o dito de que se esperava de um soldado romano que caísse sobre a própria espada para evitar a desonra. Porém, acho que Adrian não sabia que havia uma espada à sua espera na fatídica tarde em que expôs suas preocupações quanto ao álbum a ser gravado. Claramente não estava satisfeito, mas duvido que quisesse sair; só queria que as coisas melhorassem. O problema foi que a conversa ganhou tom de acusação e, no fim, foi nossa própria arrogância, alimentada por nosso sucesso aparentemente intocável, que selou seu destino. Ele não foi demitido; simplesmente caminhou para o poço do elevador vazio.”

Janick Gers: o novato

O escolhido para preencher a vaga foi Janick Gers. O novato tinha passagens por White Spirit, Gogmagog, Gillan (do vocalista Ian Gillan, à época ex-Deep Purple) e pela banda solo de Bruce Dickinson, que já havia se aventurado com um trabalho fora do Iron Maiden naquele ano — Tattooed Millionaire (1990).

A escolha até poderia fazer sentido no âmbito de simplificar as composições da banda, já que Janick passa longe de ser um músico sofisticado ou virtuoso, mas ele sequer contribuiu com o processo criativo de “No Prayer for the Dying”.

O guitarrista, inclusive, foi surpreendido quando Bruce o alertou de que poderia pintar algo grande, para além do trabalho envolvendo “Tattooed Millionaire” e a carreira solo do vocalista. Janick relembrou à revista Classic Rock em março deste ano:

“Bruce tinha falado: ‘Aprenda algumas músicas do Maiden’. Eu disse: ‘Pensei que não iríamos tocar coisas do Maiden na turnê’. Bruce disse: ‘Não vamos. Isso é para o Maiden. Adrian está saindo da banda.”

O hit surrupiado para o Iron Maiden

O que acabou sendo aproveitado do trabalho prévio foi a música “Bring Your Daughter… to the Slaughter”, criada para o filme “A Hora do Pesadelo 5” (1989). Apesar de não conter créditos a Janick Gers, ela remonta às sessões que dariam forma a Tattooed Millionaire, mas foi incorporada ao repertório do oitavo álbum do Maiden a pedido de Steve Harris. No livro de Mick Wall, o baixista revela:

Rod (Smallwood, empresário) pediu que Bruce fizesse a trilha sonora do filme. Quando, logo depois, ele trouxe ‘Bring Your Daughter… to the Slaughter’, eu disse: ‘Puta que o pariu! Essa música é fenomenal! Seria ótima para o Maiden. Não a coloque no seu disco solo. Podemos usá-la’. Bruce ficou feliz por eu dizer aquilo e satisfeito de ter escrito uma canção que poderíamos utilizar no repertório da banda.”

O vocalista corrobora as palavras do chefão da Donzela de Ferro:

“Steve Harris escutou a faixa antes de eu colocá-la no álbum e ficou dizendo: ‘Eu quero essa música!’. Então, respondi: ‘Beleza. Ótimo’. Minha gravação original – que só saiu no disco norte-americano da trilha sonora do filme – é substancialmente diferente da versão do Iron Maiden para ela. Os arranjos são idênticos, mas a minha é meio… furtiva. A do Iron Maiden realmente vai pras cabeças. Fiquei feliz em ver que Steve gostou tanto assim dela.”

A faixa surrupiada por Steve Harris para o Iron Maiden funcionou. “Bring Your Daughter… to the Slaughter” se tornou a única música da banda inglesa a atingir o primeiro lugar nas paradas de sucesso do Reino Unido. Conforme demonstrou à revista francesa Hard Force naquele momento, o baixista estava animado e otimista com o novo disco, que seria lançado em 1º de outubro de 1990.

“É principalmente mais agressivo do que os álbuns anteriores. Acho que alguns dos nossos fãs ficaram decepcionados com a orientação musical que adotamos ultimamente. Então, acho que eles ficarão felizes em ver que estamos voltando a um estilo mais agressivo e poderoso. A banda ainda tem a chama acesa.”

A expectativa criada por Steve Harris não se confirmou. “No Prayer for the Dying” tem poucos destaques para além de “Bring Your Daughter… to the Slaughter”. Basta ver o setlist da atual turnê “Run for Your Lives”, que comemora os 50 anos da banda. Apesar da ênfase nos nove primeiros discos de estúdio, o oitavo foi renegado — nenhuma música dele vem sendo tocada na excursão.

“Holy Smoke” (primeiro single) e “Tailgunner” até costumam ser lembradas pelos fãs, só que mais por carinho e ligação afetiva do que por uma real admiração. A promessa de fazer um disco afastado do prog e dos sintetizadores e oferecer um retorno ao Iron Maiden mais básico se cumpre — é o único álbum do grupo a não ter sequer uma música com mais de 6 minutos —, mas não o sustenta em aspectos qualitativos.

Aí entra também o fator gravação/produção. “No Prayer for the Dying” foi feito no celeiro da fazenda de Steve Harris em Essex, no interior rural da Inglaterra, com o estúdio móvel dos Rolling Stones. Tudo a contragosto de Bruce Dickinson, que depois disparou em entrevista à Classic Rock, em 2000:

“Foi uma m#rda! Era um disco que soava uma m#rda, e eu queria que não tivéssemos feito dessa forma. Na época, eu me senti tão culpado quanto qualquer outra pessoa, dizendo: ‘Que legal! Olha, estamos todos cobertos de palha!’ Que piada!”

Ao site Bravewords, o vocalista acrescentou:

“‘No Prayer for the Dying’ foi um álbum que eu tenho que compartilhar a responsabilidade e também a culpa por ser possivelmente o trabalho com pior som do Maiden de todos os tempos, com exceção do primeiro. Todos nós entramos em uma espécie de loucura coletiva e gravamos na cabine antiquada dos Rolling Stones em um celeiro no meio do inverno. Num acesso de entusiasmo, pensamos ‘nossa, seremos terrivelmente descolados porque seremos agrícolas’ e estávamos correndo por aí com palha no cabelo fazendo solos de guitarra e coisas assim. Um disco com qualidade sonora horrível.”

A abordagem menos fantasiosa e mais sociopolítica de faixas como “Public Enema Number One” e “Mother Russia” parece não ter convencido boa parte dos fãs. O mesmo vale para a capa, que ao longo do tempo teve duas versões (com e sem o coveiro).

“No Prayer for the Dying” foi o último álbum da Donzela a obter certificado de ouro nos Estados Unidos. E acabou ganhando o “troféu Framboesa” na revista Kerrang! das mãos do próprio Bruce, que elegeu a “pior música” da história da banda:

“Com certeza seria ‘Run Silent, Run Deep’, do álbum ‘No Prayer for the Dying’. Há uma parte da letra que eu levei bastante a sério numa certa época, e que diz o seguinte: ‘A cunning fox in the chickens lair / A hound of hell and the devil don’t care’ (‘Uma raposa esperta no galinheiro / Um cão de caça do inferno e o diabo não se importa’). Acredito que essa parte por si só já a qualifica (como pior).”

O vocalista arremata em tom filosófico (e certeiro) a respeito de “No Prayer for the Dying” e o que ele define como um período de “estagnação artística” para o Iron:

“Honestamente, creio que tínhamos caído na armadilha da infalibilidade papal. Por que o Papa está sempre certo? Porque é o Papa, portanto nunca está errado. Bem, mas e se por acaso ele estiver errado? Trata-se simplesmente de uma divergência de opiniões, e a única opinião que importa é a do Papa. Bandas, grandes empresários, papas e países inteiros tornam-se vítimas de suas crenças falaciosas. Tornam-se, em última análise, vítimas de seu próprio sucesso. Desesperados para evitar a incerteza e cercados por pessoas que
concordam com tudo, acabam cruzando a linha que separa integridade artística de estagnação artística.”

Iron Maiden — “No Prayer for the Dying”

  • Lançado em 1º de outubro de 1990 pela EMI
  • Produzido por Martin Birch

Faixas:

  1. Tailgunner
  2. Holy Smoke
  3. No Prayer for the Dying
  4. Public Enema Number One
  5. Fates Warning
  6. The Assassin
  7. Run Silent Run Deep
  8. Hooks in You
  9. Bring Your Daughter… to the Slaughter
  10. Mother Russia

Músicos:

  • Bruce Dickinson (vocais)
  • Dave Murray (guitarra)
  • Janick Gers (guitarra)
  • Steve Harris (baixo)
  • Nicko McBrain (bateria)

Músico adicional:

  • Michael Kenney (teclados)

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