Equipa descobriu que restaurar o transporte e a concentração da vitamina C, deficitária em células cerebrais de doentes com Alzheimer, pode ser importante para atrasar o início e o avanço da doença.
Camila Portugal, João Relvas e Renato Socodato assinam a descoberta agora publicada na revista «Redox Biology». Foto: DR
Uma equipa de cientistas do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), descobriu que o transporte e consequente normalização da concentração da vitamina C dentro das células da microglia – o “sistema imunitário do cérebro” – em modelos pré-clínicos da doença de Alzheimer, restabelece o funcionamento normal destas células e atrasa o início e a progressão da doença. O estudo foi publicado na prestigiada revista Redox Biology.
A vitamina C é essencial para o normal funcionamento do cérebro, atuando como um poderoso antioxidante que protege os neurónios e as células da glia, incluindo as da microglia. A vitamina C é captada na forma de ascorbato através de um transportador específico (o SVCT2) para dentro das células de microglia, que funcionam como o sistema imunitário do cérebro e são importantes para o seu desenvolvimento, manutenção e resposta a traumas ou doenças. A disfunção microglial pode desempenhar um papel central no desencadear e/ou na progressão de muitas doenças neurológicas, incluindo a Doença de Alzheimer e de Parkinson.
Durante o envelhecimento, e em contextos de patologia como na Doença de Alzheimer (DA), os níveis de vitamina C no cérebro diminuem e não conseguem ser repostos adequadamente nem por suplementação oral nem por via endovenosa. Isto sugere uma perda de eficiência na capacidade de transporte da vitamina C para dentro das células da microglia e foi precisamente isso que a equipa do i3S demonstrou com este trabalho: “Verificámos que em modelos animais com Doença de Alzheimer o transportador específico da vitamina C está muito diminuído”.
Mas isso não se verifica apenas em modelos pré-clínicos, sublinha João Relvas, líder do grupo que desenvolveu esta investigação no i3S e professor da Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP): “Resultados mais recentes do nosso laboratório, em colaboração com o Banco Português de Cérebros , e ainda não publicados, mostram que os níveis do transportador estão também reduzidos na microglia de cérebros humanos com Doença de Alzheimer, o que eventualmente confere maior relevância translacional ao estudo agora publicado”.
Camila Portugal, primeira autora do estudo, explica que a equipa conseguiu também provar que “aumentando a expressão deste transportador e, consequentemente, repondo os níveis de vitamina C na microglia, conseguimos restabelecer o funcionamento normal destas células no cérebro com Doença de Alzheimer. E, mais importante ainda, os dados indicam que isso parece ser suficiente não só para atrasar o início da doença, mas também para atrasar a progressão da doença quando esta já começou a manifestar-se”.
À procura do “transporte” certo
“Os resultados são claros: este transportador pode ser considerado um alvo terapêutico”, sublinha Renato Socodato, que integra a equipa do grupo «Glial Cell Biology» do i3S. “Nesta investigação recorremos à engenharia genética para aumentar a expressão do transportador e, consequentemente, a captação da vitamina C pela microglia, mas no futuro queremos usar agentes farmacológicos. Idealmente, o doente tomaria um medicamento que aumentaria o nível do transportador e a captação de vitamina C da microglia, o que conferiria alguma proteção contra a Doença de Alzheimer”, explica.
Nesse sentido, a equipa está já a trabalhar no próximo passo: a avaliar milhares de compostos farmacológicos com o objetivo de encontrar uma molécula que possa manter os níveis adequados do transportador e, consequentemente, de vitamina C dentro das células.
Para João Relvas, “este trabalho é também muito relevante porque demonstra que é a captação e não a suplementação da vitamina C que é crítica. Ou seja, por mais vitamina C que possamos ingerir, se não tivermos a maquinaria de transporte a funcionar, ela não entra nas células da microglia e o seu efeito é nulo”.
O investigador adianta ainda ter dados que indicam que a diminuição do transporte da vitamina C está associada à neuroinflamação noutras doenças neurodegenerativas, como por exemplo na Doença de Parkinson, pelo que, garante, “esta abordagem poderá eventualmente ser transposta para outras doenças e já temos alguns dados experimentais que suportam essa estratégia”.