O meu colega inglês Mark Kermode acertou em cheio quando comentou que Honey Don’t!, realizado por Ethan Coen, um dos dois irmãos Coen, e escrito por ele e pela mulher, Tricia Cooke, é um filme cujo título contém a sua própria crítica. Eu iria mais longe e diria: “Ethan don’t!”. Honey Don’t! é o segundo de uma “trilogia de filmes lésbicos policiais de série B” planeados pelo casal, o primeiro dos quais, Bonecas em Fuga (2024), é bastante mau, sendo que este segundo é intragável (o terceiro vai chamar-se Go Beavers — é legítimo temermos o pior).
Honey Don’t! não parece um filme realizado por um dos dois autores de grandes títulos do cinema americano contemporâneo como Sangue por Sangue, Arizona Júnior, Fargo, O Grande Lebowski ou Este País Não é para Velhos. Mas sim de um mau copista dos irmãos Coen, que conhece todos os componentes da identidade cinematográfica deles e as suas idiossincrasias narrativas e estilísticas, mas não sabe como os manejar e agregar para fazer um todo consistente e coerente (refira-se que Tricia Cooke, que é também assistente e montadora dos Coen, realizou a fita com o marido, mas não a pôde assinar por não ser membro da Director’s Guild of America).
[Veja o “trailer” de “Honey Don’t!”:]
Pretendendo emular as séries B policiais dos anos 50 e 60, Honey Don’t! não passa de uma versão menor, desconjuntada e disléxica daquelas, e ainda por cima levando às costas uma mochila contemporânea de propaganda LGBTQ+ e veiculando uma mensagem anti-Trump — e esta com a presunção de Hillary Clinton a falar dos “deploráveis”. É tudo fake, postiço e rebuscado nesta fita ambientada numa cidadezinha da Califórnia, em que Margaret Qualley (já vista no anterior Bonecas em Fuga) interpreta Honey Donahue, uma detetive privada lésbica e muito hostil aos homens. Após a morte suspeita de uma possível cliente num desastre de automóvel, Honey começa uma investigação que a conduz a uma seita religiosa liderada por um pastor lúbrico (Chris Evans) que a usa para traficar droga. Honey envolve-se também com MG (Aubrey Plaza), uma mulher-polícia, o que dá direito a duas ou três sequências de sexo lascivamente cruas.
[Veja uma entrevista com Ethan Coen e Tricia Cooke:]
A estimadíssima e azougada Qualley é um enorme erro de casting no papel de Honey. Ela não é o equivalente feminino de Humphrey Bogart, não tem atitude, estilo ou tipo físico para incarnar uma detetive durona, desembaraçada e espirituosa, e a sua interpretação soa falsa, não tem veracidade. Tal como o decalque do modelo das velhas séries B noir que Coen e Cooke pretendem aqui fazer, e que não quadra com as atmosferas, o tipo de humor, as personagens pitorescas e o olhar extravagante característicos dos Coen. Em Honey Don’t!, a bota não dá mesmo nada com a perdigota. Por onde quer que se olhe, parece uma contrafação tosca de um filme dos Coen.
[Veja uma entrevista com Margaret Qualley:]
O pior está guardado para o fim. A história dá uma reviravolta acrobática e estapafúrdia, daquelas que deixam o espectador com um torcicolo e a perguntar-se o que raio aconteceu, o enredo secundário salta de súbito para primeiro plano e é resolvido às três pancadas, o enredo principal fica “pendurado” e o filme acaba de repente, com um final pretensamente “engraçadinho”. Honey Don’t! é uma bagunça do ponto de vista da escrita e uma mixórdia do da realização. E apesar de ter 90 minutos, parece durar o dobro, de tão arrastado que é. E andam Ethan Coen e Tricia Cooke a trabalhar há 20 anos neste projeto de trilogia. Insistamos: “Ethan don’t!”