O Governo conseguiu aprovar a nova Lei dos Estrangeiros com o apoio do Chega e da IL, mas com o voto contra do PS, apesar de também ter feito negociações com os socialistas “até ao úlitmo minuto”. Muitos dos princípios de julho mantêm-se, mas as novas alterações facilitam o reagrupamento familiar e respondem também a problemas administrativos contestados pelo Presidente da República e pelo Tribunal Constitucional.

Afinal, com quem o Governo negociou? Quem aprovou a lei? O que mudou relativamente a julho? O que se mantém? O que o Chega conseguiu mudar? E o PS? A lei ainda pode ser travada? A nova lei dos estrangeiros em oito respostas.

O Governo diz que “dialogou” com todos os partidos, mas assume que foi apenas com PS e Chega que falou “até ao último minuto”. As negociações resultaram na aprovação de três alterações propostas pelo Chega e uma pelo PS. No caso do Chega, o primeiro-ministro chegou a irritar-se com perguntas dos jornalistas sobre eventuais contrapartidas para a aprovação. O que terá o Governo prometido em troca do apoio do Chega? Segundo fonte do Governo ao Observador, o Chega acabou por “recuar na linha vermelha” (Ventura exigia cinco anos sem apoios sociais), com o Governo a comprometer-se apenas a continuar um “esforço de fiscalização e de combate aos abusos e para discutir esses pontos no quadro parlamentar”.

A lei foi aprovada com os votos a favor dos partidos do Governo, PSD e CDS, e ainda com os votos do Chega, Iniciativa Liberal e do Juntos Pelo Povo. A esquerda uniu-se com PS, Livre, PCP, BE e PAN a votarem todos contra. Ou seja: as negociações com o PS nem para uma abstenção chegaram, com o partido a votar mesmo contra.

Um dos grandes problemas da lei que foi travada pelo Tribunal Constitucional e pelo Presidente da República tinha a ver com os obstáculos criados ao reagrupamento familiar, sendo a maioria das alterações nessa matéria. A lei anterior exigia dois anos para o reagrupamento de familiares que estivessem fora do país. A alteração agora feita pelo Governo dispensa qualquer prazo de permanência para o direito ao reagrupamento de “menores ou incapazes a cargo”, “cônjuge ou equiparado que seja, com o titular de autorização de residência, progenitor ou adotante de menor ou incapaz a cargo“. Foram assim alargadas as exceções à dispensa de prazos. Os cônjuges que não tenham filhos podem pedir o reagrupamento, mas aí já há prazos — embora sejam mais curtos para cônjuges com coabitação efetiva anterior.

Também não ficam sujeitos a prazos os familiares que tenham “autorização de residência para atividade de docência, altamente qualificada ou cultural”, “autorização de residência para atividade de investimento” (os tais que se aplicam aos vistos gold) e os “beneficiários do «cartão azul UE»”.

Outra das alterações é a de que, no que diz respeito aos casamentos, os matrimónios para serem considerados têm de ser efetivos, válidos e reconhecidos pela Lei Portuguesa, o que faz com que — como explica o Governo — “casamentos potencialmente forçados, com menores ou poligâmicos” não sejam considerados para o reagrupamento.

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Sim. Desde logo, no que respeita aos prazos de decisão administrativa do pedido de reagrupamento familiar. Mantém-se a fixação do prazo-regra de 9 meses e da respetiva possibilidade de prorrogação, mas o diploma “reserva a eventual necessidade de prorrogação para os procedimentos cujo requerente beneficie da dispensa legal de prazo para aceder ao direito.” São igualmente clarificadas as medidas de integração obrigatória em que o seu cumprimento é condição para o título de residência. Há ainda, como reconheceu o próprio Governo, um “ajuste cirúrgico nas regras de acesso à tutela judicial (eliminado o requisito da “irreversibilidade” do dano)”.

O Chega conseguiu fazer três alterações: numa delas alterou prazos do reagrupamento familiar, noutra quis deixar claro que as condições de habitabilidade dos imigrantes têm de ser comparadas com as que existem em Portugal e a terceira foi deixar escrito na lei que a autorização de residência, também ao abrigo do reagrupamento familiar, só é renovada se o imigrante não depender de apoios sociais.

Comecemos, precisamente, pelos prazos do reagrupamento familiar de cônjuges que foram alterados (no artigo 98º da lei, referente ao direito ao reagrupamento familiar) após acordo entre o partido liderado por André Ventura e o partido liderado por Luís Montenegro.

O que dizia a proposta inicial da AD:

“O período de duração da autorização de residência previsto no número anterior é de um ano relativamente ao cônjuge ou equiparado que com o titular tenha coabitado durante, pelo menos, um ano no período imediatamente anterior a entrada deste em território nacional.”

O que diz a alteração do Chega, que foi aprovada:

“O período de duração da autorização de residência previsto no número anterior é de 15 meses relativamente ao cônjuge ou equiparado que com o titular tenha coabitado durante, pelo menos, dezoito meses no período imediatamente anterior à entrada deste em território nacional.”

Na verdade o Chega aprova uma alteração em que permite ao imigrante que veio ao abrigo do reagrupamento familiar, caso seja cônjuge, ficar mais três meses em território nacional na primeira autorização de residência do que propunha a AD. No entanto, ao mesmo tempo, obriga a que o titular prove que coabitou com o cônjuge 18 meses antes da vinda do titular para Portugal — o que significa a prova de mais seis meses de vida em comum dos reagrupados do que propunha o Governo.

Em segundo lugar, à boleia da AD, que já exigia a garantia de alojamento para o reagrupamento ser validado, o Chega acrescentou a expressão em “território nacional” para deixar claro que o termo de comparação não é o país de origem.

O que dizia a proposta da AD:
Artigo 101.º — Condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar
a) Alojamento, comprovadamente próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade, tal como definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações e da habitação;

O que diz a proposta do Chega, que foi aprovada:

Artigo 101.º — Condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar
a) Alojamento, comprovadamente próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região em território nacional e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade, tal como definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações e da habitação;

Ao acrescentar “em território nacional”, o Chega quis deixar claro que os imigrantes têm de ter um alojamento considerado “normal” na região de Portugal onde habitam e não na região do país de origem — dúvida que a formulação da AD podia suscitar. À partida, a exigência é maior nos padrões portugueses de normalidade do que na maior parte dos países de origem dos imigrantes.

A terceira alteração que o Chega conseguiu impor à AD está relacionada com a tão falada questão das prestações sociais. O partido de André Ventura queria que o Governo garantisse que os imigrantes teriam de ter um mínimo de “cinco anos de descontos até poderem ir buscar subsídios à Segurança Social”. Não foi bem isso que ficou escrito, uma vez que a limitação inscrita é referente apenas à renovação do visto de residência por reagrupamento.

O que dizia a proposta da AD: 

“Salvo por motivo não imputável aos familiares do requerente, a renovação da autorização de residência para reagrupamento familiar depende de serem comprovados o cumprimento das medidas a que se refere o número anterior ou o conhecimento da Língua, princípios e valores constitucionais portugueses.”

O que diz a proposta do Chega, que foi aprovada:

“Salvo por motivo não imputável aos familiares do requerente, a renovação da autorização de residência para reagrupamento familiar depende de serem comprovados o cumprimento das medidas a que se refere o número anterior, nomeadamente a impossibilidade de depender de apoios sociais, assim como o conhecimento da Língua, princípios e valores constitucionais portugueses.”

O Chega conseguiu, de facto, impor uma limitação aos apoios sociais, mas apenas na renovação do visto de residência por reagrupamento familiar. Assim, o partido de Ventura garante que quem se junta ao imigrante que já está no país não pode recorrer ao Rendimento Social de Inserção nem a outras prestações sociais para a sua subsistência.

O PS não alterou nenhum artigo do Governo, mas fez um aditamento ao Artigo 4º, que inclui acordos bilaterais com os Estados de onde são oriundos os imigrantes para agilizar processos e alimentar setores estratégicos da economia, bem como uma radiografia anual sobre os países de origem e os setores da economia que integraram essa força de trabalho imigrante.

Sobre os acordos, o PS conseguiu assim que ficasse inscrito na lei que “o Governo promove a negociação e celebração de acordos bilaterais com Estados terceiros com vista a agilização dos procedimentos de emissão de vistos e concessão de autorizações de residência que assegurem a mobilidade de trabalhadores que correspondam a necessidades de setores estratégicos da economia“. Esses mesmos acordos, estabelece o mesmo ponto da lei, devem assegurar a “prestação de informação, canais para o respetivo recrutamento, e formação e ensino da língua portuguesa em momento anterior à sua entrada em território nacional, facilitando a sua integração e proteção laboral.”

Além disso, o PS conseguiu impor a obrigatoriedade de o Governo apresentar “anualmente à Assembleia da República um relatório de progresso relativo à atividade referida no número anterior, identificando os Estados terceiros, setores da economia abrangidos e dados estatísticos relativos à emissão de vistos e autorizações residência decorrentes dos acordos celebrados”. Desta forma, é possível ir monitorizando os efeitos (positivos e negativos) da nova lei.

Daquilo que já tinha sido aprovado em julho mantêm-se a limitação à atribuição de autorizações de residência CPLP, bem como o fim do visto de procura de trabalho (apenas subsiste para altamente qualificados). Mantém-se igualmente o fim do “regime transitório” criado pela AR em 2024. O Governo diz que se mantém o prazo geral de dois anos para o reagrupamento familiar, embora tenha alargado tanto as exceções que há um grande universo que dispensará prazos. O alargamento do prazo de decisão da AIMA para nove meses mantém-se (embora haja exceções), bem como a adoção de medidas de integração de quem chega: formação em língua, cultura e valores constitucionais portugueses. Mantém-se também, por exemplo, o ensino obrigatório para menores.

Poder, pode. Quer por via do Presidente da República, quer pelo Tribunal Constitucional. Parece, no entanto, que Marcelo Rebelo de Sousa — pelos sinais que foi dando — não está interessado em voltar a travar a lei nem em enviá-la para o Palácio Ratton. Para o pedido de fiscalização preventiva ser suscitada pela Assembleia da República seriam precisos 46 deputados subscreverem o pedido. Ora, o PS não parece estar para aí virado e, sem os socialistas, a esquerda toda junta não chega a ter um quinto dos deputados. É, por tudo isto, pouco provável que a lei não entre em vigor.

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