É impossível cumprir o Acordo de Paris se não fizermos uma transformação global do sistema de produção alimentar mundial, reduzindo o consumo de carne, afirma o segundo relatório da Comissão EAT da revista Lancet sobre Sistemas Alimentares Saudáveis, Sustentáveis e Justos, publicado nesta sexta-feira. As emissões de gases de estufa que resultam da produção de alimentos – sem falar na poluição do ar, ou da água – representam 30% de todas as emissões que estão a intensificar o efeito de estufa e, logo, o aquecimento global.

“São conclusões muito sombrias. Não há como limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius nem combater a perda de biodiversidade sem a transformação do sistema alimentar”, afirmou Johan Rockström, co-secretário da Comissão que assina o estudo e director do Instituto Potsdam para a Investigação do Impacto das Alterações Climáticas, na Alemanha, numa conferência de imprensa sobre o estudo. “É uma pré-condição para termos hipóteses de regressar a um clima seguro e a um planeta saudável.”

Em 2019, no primeiro estudo desta comissão, que reúne cientistas de vários países e áreas, a conclusão foi que alimentar os cerca de dez mil milhões de habitantes da Terra em 2050 só seria possível com uma dieta sustentável, reduzindo para metade o consumo de carne vermelha e açúcares e duplicando o consumo de frutos secos, legumes e fruta – que designavam “dieta para a saúde planetária”.





O estudo foi muito discutido, mas também alvo de uma intensa campanha de desinformação por propor a redução do consumo de carne. A Fundação Changing Markets, que reúne várias organizações não-governamentais, divulgou na semana passada um relatório em que denunciava o trabalho de uma agência de relações públicas, chamada Red Flag, que tem como cliente a Aliança da Agricultura Animal, com sede nos EUA, e que representa os maiores produtores de carne mundiais.

A análise de 2025 reafirma os resultados, recomendando uma dieta boa para o planeta e para a saúde dos seus habitantes. “Não é uma dieta de privação, é deliciosa e saudável, e pode ser adaptada a todas as culturas e às preferências individuais”, afirma Walter Willet, co-secretário da comissão e professor de Epidemiologia e Nutrição na Universidade de Harvard, nos EUA.

O peso considerável dos frutos secos e legumes (incluindo leguminosas como feijões e soja), para preencher as necessidades de proteína (pelo menos 500 gramas de fruta e vegetais, sem nenhum limite superior), é a característica definidora desta dieta. Mas permite o consumo de pequenas quantidades de carne vermelha (15 gramas por dia, ou uma porção por semana), aves (30 gramas por dia, ou duas doses por semana), peixe e marisco (duas porções de 100 gramas por semana) e produtos lácteos (250 gramas por dia em leite ou produtos derivados).





Para quem vive nas nações mais ricas do planeta, e está entre as classes com maiores rendimentos, isto poderá implicar uma redução na proteína animal. Embora, frisem os cientistas, esta dieta esteja bastante alinhada com o que é, por exemplo, a dieta mediterrânica.

Justiça social

Para 3700 milhões de pessoas, cerca de metade dos habitantes da Terra, esta é uma dieta mais rica e saudável do que aquela a que têm acesso. Estas pessoas não têm também acesso a um ambiente limpo e a um salário justo – direitos humanos básicos, salienta Shakuntala Thilsted, do consórcio de instituições científicas GFAiR (França). “As dietas dos 30% mais ricos do mundo são responsáveis por 70% das pressões ambientais causadas pelos sistemas alimentares”, afirma.

A justiça social é um factor determinante a ter em conta, reforça Thilsted. Mulheres e crianças obrigadas ao trabalho infantil são os elos mais fracos no sistema alimentar, em todo o mundo – ganham menos e estão sujeitas a piores condições.





A dieta da saúde planetária tem muitas vantagens para a saúde: o consumo moderado de produtos de origem animal está associado a uma redução de 27% do risco de morte prematura, o que significa que seria possível evitar 15 milhões de mortes prematuras por ano, além de reduzir os riscos de doenças cardiovasculares, diabetes ou cancro.

Mas outra mensagem que os cientistas querem fazer passar é que a transformação agrícola e alimentar é fundamental para assegurar a saúde do planeta: “Os sistemas alimentares são as principais causas de cinco dos sete limites planetários que já ultrapassámos [num total de nove], incluindo mudanças no uso da terra e da água doce, e integridade da biosfera”, sublinhou Johan Rockström.