O apagão ibérico do dia 28 de abril foi o maior da Europa nos últimos 20 anos e o primeiro a ter como causa o que é descrito como uma cascata de subidas de tensão que “nunca aconteceu antes. Nem na Europa nem no mundo. É um território novo”, afirmou esta sexta-feira um dos elementos do painel de peritos, Klaus Kaschnitz.

O relatório da investigação promovida pelos peritos da associação das redes elétricas europeias, a ENTSO-E, confirma que na origem do apagão estiveram as desconexões de centrais elétricas no sudoeste de Espanha que começaram com uma primeira queda de um transformador em Granada seguida de mais duas perdas de produção de grande dimensão. Com a saída destas centrais, o sistema perde capacidade de absorver energia reativa que é crucial para o controlo do nível de tensão na rede.

A origem de parte destas desconexões não é conhecida, embora os investigadores apontem para que tenha resultado da ativação automática das proteções dos equipamentos contra os altos níveis de tensão que se verificaram na rede. Não obstante, este foi um “fenómeno local” que só podia ser resolvido localmente, explicaram os peritos. Não pode ser gerido a partir de uma gestão centralizada da rede elétrica. Por isso, os mecanismos de segurança dos sistemas elétricos de Portugal e Espanha não conseguiram controlar a cascata de picos de tensão que só parou em França quando o sistema ibérico perdeu a sincronia e se desligou da rede europeia, o que travou o alastrar do problema pela Europa.

A ENTSO-E divulgou esta sexta-feira um “relatório factual” sobre o que aconteceu nos dias, sobretudo horas antes e depois do apagão, mas que “não serve para atribuir responsabilidades”, sublinhou Damian Cortinas, o presidente do conselho de administração da organização num briefing com jornalistas. “Não somos um órgão policial”. Cabe às autoridades espanholas fazer essa investigação”, podendo usar os dados recolhidos para este primeiro relatório que, apesar de não identificar culpados, dá pistas para compreender o que falhou quer do lado da produção, quer do lado das redes e do operador de rede. Realçam contudo a dificuldade em obter todos os dados pedidos, sobretudo junto das centrais elétricas espanholas.

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Os peritos europeus dizem que não encontraram nada que indicasse que a dimensão da interligação ibérica, e o facto de Espanha estar na altura do apagão a fornecer energia barata a Portugal, teve impacto no apagão. Ao contrário de Espanha, não se registaram oscilações normais de tensão em Portugal onde o limite permitido para essas oscilações é inferior. E realçam que foram as interligações — primeiro entre França e Marrocos com Espanha e depois entre Espanha e Portugal — que permitiram um restabelecimento de energia tão rápido, de algumas horas apenas, e que destacam como um dos pontos positivos na gestão deste blackout.

Sobre o papel da energia renovável neste evento, os peritos assinalam que o tema aqui não são as renováveis, mas todas as tecnologias de produção que devem estar dotadas de sistemas de controlo da tensão. Essa será uma das recomendações a constar do relatório final da ENTSO-E, a apresentar no primeiro trimestre de 2026. “Precisamos de geração com controlo de voltagem e isso pode ser feitos com as renováveis”, indica Damian Cortinas.

Embora as centrais convencionais (térmicas e grandes hídricas) assumam mais o papel de estabilizadoras do sistema elétrico — proporcionando inércia e absorvendo a energia reativa — a tecnologia para equipar as centrais renováveis com essas funções está disponível. No entanto, a sua utilização tem que ser exigida para todos os centros eletroprodutores. E essa é uma exigência que compete em primeiro lugar à gestora da rede elétrica, neste caso a REE (Rede Elétrica espanhola).

As elétricas e a gestora da rede têm trocado acusações sobre qual das partes é responsável pelo que aconteceu em Espanha.

O caráter único deste apagão já tinha sido revelado em informação preliminar da ENTSO-E.  A situação clássica de blackouts resulta da falta de tensão na rede provocada por desequilíbrios entre a injeção de energia e o seu consumo. Um blackout causado por excesso de tensão é novo. E ao contrário da energia que viaja, a tensão é um problema que tem de ser resolvido localmente. É como um carro que fica sem bateria, ilustrou um dos peritos. O problema não é a falta de combustível.

Causa do apagão. Peritos apontam para uma série de subidas de tensão em cascata, inédita na Europa

As primeiras flutuações do nível de tensão ocorreram no Sul de Espanha a partir das 10h30, mas não em Portugal onde o limite de tensão permitida no sistema é inferior ao espanhol. Quando estes picos ocorrem, há várias coisas que o gestor da rede pode fazer, mas algumas destas ações são manuais e não automáticas e demoram o seu tempo.

A recolha e análise dos dados incluiu os dias anteriores ao apagão, na qual se registaram oscilações de frequência e tensão na rede, mas focaram-se no período entre as 09h00 e as 12h33 (uma hora a menos em Portugal) do dia 28 de abril.

Era uma “típica manhã de primavera” com um excedente de produção eólica e solar concentrada no Sul de Espanha e que devido a preços perto de zero estava a ser exportada para Portugal, França e Marrocos. Mas, os peritos destacam o facto de a configuração do sistema ser diferente daquela que tinha sido inicialmente prevista, em particular com a indisponibilidade manifestada por uma central convencional para operar naquele manhã.

A fita do tempo destas horas, mostra que o operador da rede espanhol tomou medidas para resolver duas oscilações de frequência na rede, uma local e outra inter-área (que afetou França), nomeadamente reduzindo as exportações para França (também tentou fazê-lo com Portugal). As medidas resultaram, mas acabaram por ter um efeito contrário nos níveis de tensão que subiram.

Seguiu-se uma sequências de perdas de produção com a desconexão de várias centrais no sul de Espanha cujos motivos ainda não são conhecidos e que conduziram “ao ponto de não retorno”.

A primeira destas quedas aconteceu em Granada quando o transformador que estava a injetar 355 MW de energia na rede proveniente de várias centrais da região — solares e eólicas — se desligou na sequência da ativação da proteção contra a alta voltagem que se registava na rede.

Seguiu-se um segundo evento de maior dimensão que levou a perda de 720 MW na área de Badajoz e um terceiro evento que desligou cerca de 1.000 megawatts em Segovia, Huelva, Badajoz, Sevilha e Cáceres.

Com a perda de produção a afetar um vários geradores, as centrais deixaram de absorver a energia reativa, o que é essencial para o controlo do nível de tensão na rede elétrica, e em menos de dois minutos esta cascata imparável atingiu toda a Espanha e Portugal.

O apuramento dos factos identificou ainda várias saídas de centrais produção distribuída, de menor capacidade,  em várias zonas do território espanhol de norte a sul.

Os peritos sublinharam a dificuldade em obter informação pedida, sobretudo junto de centrais elétricas espanholas ainda que admitam que estas poderão não ter o registo desses dados. E sinalizam que as perdas iniciais de injeção de energia na rede não tinham dimensão para explicar o que aconteceu a seguir.