À margem do segundo Fórum para o Futuro da Tributação, em Lisboa, organizado pelo Fórum Integração Brasil Europa, o ministro (juiz) do Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) Gilmar Mendes conversou com a CNN Portugal sobre migrações, a relação Portugal-Brasil e o problema dos populismos. Não rejeita que o Brasil assuma uma política de reciprocidade no que diz respeito à lei de estrangeiros, depois das mudanças aprovadas na Assembleia da República. Mas diz que é melhor conversar mais sobre esse assunto

Portugal adotou mudanças à lei de estrangeiros que atingem os interesses da comunidade brasileira, e os brasileiros ainda à procura de um futuro melhor na Europa podem sofrer com as consequências. Acha que o Brasil pode ou deve adotar uma reciprocidade?
Eu penso que deve haver um diálogo, antes de mais nada. Embora, como sabemos, tenhamos um tratamento constitucional muito deferente para com os portugueses no Brasil, permitindo, inclusive, que haja aquela ideia da dupla cidadania e eu espero que isso seja correspondido. Pelas informações de que disponho, o mais problemático é o não funcionamento dos órgãos administrativos. Talvez mesmo por um carácter desorganizado e caótico dos serviços de imigração. Isso é preocupante e é preciso que seja prontamente reparado. Eu chamaria a atenção para um caso que referia como uma mesma pessoa recebia uma nota de deportação e outra nota em como os seus registos estavam em ordem. As pessoas estão muito temerosas por conta disso e acho que é importante resolver isso para que não haja tumulto numa relação que é tão pacífica. Nós temos tantos portugueses e uma tão bela História juntos. 

E são muitos os casos documentados de xenofobia sofridos por cidadãos brasileiros e luso-brasileiros aqui em Portugal. Acha que há uma falta de vontade política nacional para apaziguar a situação? 
Com certeza devemos traduzir esse tema [xenofobia] às autoridades portuguesas. E penso que as autoridades brasileiras devem informar-se sobre isso e traduzir esse desconforto às autoridades em Portugal. 

Passamos por um momento de um populismo tecnológico que parece abalar as bases das democracias mais sólidas do planeta. Acredita que a condenação de Jair Bolsonaro foi uma lição da independência da parte do Brasil?
Eu acho que a democracia brasileira saiu mais forte desse episódio. Se nós olharmos para algumas tentativas de golpe ou mesmo de golpes que tivemos ao longo da História republicana, vamos ver que não houve respostas efetivas a esse tipo de prática. É a primeira vez que um autor de uma tentativa de golpe e os seus associados são penalizados. E isso é extremamente relevante. Foi reconhecido pelos grandes órgãos de comunicação do mundo todo. É um facto extremamente relevante. Acho que o Brasil deu uma lição ao mundo, no momento em que há esse fenómeno em todo o mundo a que a chamamos ‘recessão democrática’. O retrocesso de várias democracias, digo. Mas as instituições brasileiras provaram como eram extremamente resilientes e como foi possível superar esse desafio. 

Portugal tem eleições em breve e a direita populista pode ter bons resultados. Sem querer pedir-lhe que faça futurologia, pergunto-lhe se teme que Portugal passe por situações semelhantes às do Brasil, com Bolsonaro, ou dos Estados Unidos, com Donald Trump?
Eu posso dizer que espero que episódios como os que nós vivemos sirvam de lição para eleitores de várias nações amigas do mundo. E espero que saibam fazer as escolhas devidas para evitar que tenhamos ameaças ou que existam constrangimentos às práticas democráticas.