Pirilampos num frasco: os melhores momentos de Taylor Swift vivem nessa dimensão. Tendem para a revelação, para a luz de um infinito insustentável; anima-os uma força híbrida, não só diarística nem apenas melódica. Apesar do interesse artístico decrescente com o passar dos anos, sempre houve no seu mister um resquício de magia, até hoje. Agora, a poeta da caneta de gel escreve sobre a “varinha mágica” do noivo.
O falicismo não constitui motivo para julgamento sumário, sobretudo numa história da pop em que as Doce exaltaram os efeitos de uma serpente enfeitiçada e Peter Gabriel gabou a sua própria marreta. O problema é o enfado de Taylor Swift ao desenrolar esse pergaminho de metáforas genitais; aliás, ao narrar qualquer dos eventos abordados em The Life of a Showgirl.
Mais entretenimento se consegue a imaginar — em vez de ouvir — o disco prometido, situado entre os extremos emocionais da norte-americana durante a digressão com maior encaixe de bilheteira de sempre (e que acabou em Dezembro de 2024; em menos de um ano, um novo álbum saído da prensa). A solidão e as rixas da maior vedeta mundial, a efemeridade da fama e os paliativos de cinco estrelas, o amor doméstico e salvífico: quase nada se mostra senão prosaico e asséptico. Havendo código penal da pop, o aborrecimento mereceria punição capital — e esta já é a segunda infracção consecutiva da pretensa showgirl.
Se o anterior The Tortured Poets Department era interminavelmente cinzento, o novo álbum é bege, pálido de anemia. (Fica desemparelhada, pois, a imagética espampanante de Showgirl: Swift como bailarina de Las Vegas, com cara de poucos amigos.) É coisa para abalar as crenças do poptimismo: a produção é do monumental Max Martin, em dupla com o prestigiado Shellback (um dos responsáveis por Run away with me, de Carly Rae Jepsen, pináculo da pop deste século). Significa isso que Jack Antonoff e Aaron Dessner (dos National), braços-direitos de Swift nos últimos discos, já não podem servir de bodes expiatórios para a frustração. E serve para reforçar que Martin é um padrão-ouro volátil: em 2024, tanto esteve envolvido em Eternal Sunshine, possivelmente o melhor álbum de Ariana Grande, como na mediocridade de Moon Music dos Coldplay.
A pop sintética de Tortured Poets não volta para a desforra: sobrevive apenas a sugestão de uma das faixas da edição alargada, So high school. Assim se explica o punhado de canções atiradas como dardos a um quadro de pop-rock sedoso, vago, com ascendentes incertos. Tudo bem com The fate of Ophelia, bafejada pelo espírito dos Corrs: com envergadura para encher um estádio, deixa-se trilhar por um synth bass barrigudo, umas palmas saudáveis, um pós-refrão de ouro, e a espertina vocal que faltará ao resto do disco. Como toda a boa acção não passa sem castigo, logo depois vem Opalite, entrada directa para o top do Canal Panda: ABBA via Sabrina Carpenter através de uma banda de tributo aos Fleetwood Mac. Uma Clairo (ainda) mais dorminhoca assombra Father figure, fraca desculpa para citar George Michael.
Mesmo reunido o trio Swift-Martin-Shellback, a alquimia pop de 1989 (2014) seria difícil de refazer. Quanto menos se evocar a petulância trap de Reputation (2017, largamente da mesma equipa), melhor, mas é esta energia percussiva que dá vida a Elizabeth Taylor e Honey. De resto, não há um pingo de sangue na guelra. Cancelled! é um disparate pegado, uma provocação vazia que segue o mote da telenovela Los ricos también lloran — mas não nos dão pena. Actually romantic, o alegado galhardete para Charli XCX, não só é um sucedâneo de Where is my mind? dos Pixies como parece uma ladainha de recreio com uma rebelde menção a cocaína (só faz pensar na devastação e na chantagem reais que Olivia Rodrigo injectaria na sua versão).
Taylor Swift
Republic/Universal
2020 será sempre a bitola — injustamente, mas por uma razão. É que os pacatos mas potentes Folklore e Evermore, as obras de Taylor Swift para quem não gosta de Taylor Swift, revelaram-na mais do que destra em estudos de personagem. Midnights e Tortured Poets viraram o jogo: recentraram Swift como personagem ela própria, bizarra, incoerente, pouco fiável — e, portanto, fascinante. The Life of a Showgirl esgota o plafond. Se cheira a águas paradas, talvez haja uma razão ou duas.
Numa discografia cuja força sempre foi diarística e melódica em simultâneo (lá está), é inconcebível continuar agarrada à mesma caneta de gel, ressequida. Venham novos enredos, nova tinta, nova fúria de compor: nada que uma longa sesta de inverno não consiga curar.