Não foi no palácio nem diante de câmaras formais, mas entre passeios por Windsor, uma ida ao pub e até uma chegada de trotinete elétrica que o príncipe William conversou com Eugene Levy — ator e humorista canadiano, famoso pela saga “American Pie” e que tem uma nova série intitulada “The Reluctant Traveler”.

Foi precisamente num episódio especial desta série da Apple TV+., estreado a 3 de outubro, que o herdeiro da Coroa britânica mostra-se invulgarmente descontraído. Fala do futuro da monarquia, do ano mais difícil em família e até dos prazeres simples, da cidra doce às memórias de infância. O encontro foi também partilhado pelo Palácio de Kensington na rede social X, com a mensagem: “É um prazer receber-te em Windsor, Eugene!”.

Logo no início, William deixa claro que o futuro não será apenas continuidade. “É seguro dizer que a mudança está na minha agenda — mudança para melhor”, disse ao humorista canadiano. Para o príncipe, é essencial “perguntar se certas tradições ainda estão a servir o propósito” da coroa britânica. E se a resposta for negativa, William defende que se deve mudar o que já não se adequa.

Logo à chegada, a imagem fez história: William surgiu de trotinete elétrica. “Estou sempre atrasado. Tive um furo num pneu”, brincou. Daí, seguiu para uma conversa no pub. Levy pediu uma Guinness, o príncipe preferiu uma cidra doce. Pequenos detalhes que ajudaram a criar um tom raro do príncipe – descontraído, próximo e sem a solenidade habitual.

Questionado sobre se a história e o peso da tradição o intimidam, respondeu de forma direta: “Eu não diria que a história me sobrecarrega. Outras coisas é que me sobrecarregam.”. Para o príncipe, não é a herança que pesa, mas a dificuldade em adaptar certas tradições que “já não fazem sentido”.

A BBC sublinha que quem trabalha com William confirma este perfil: ele não aceita justificações baseadas no “sempre foi assim”. A forma como assumiu o Ducado da Cornualha é exemplo disso — promoveu uma nova liderança e um foco mais ativo na ação social. “Ele não tem medo de perguntar como e porquê as coisas são feitas”, disse um funcionário ao canal britânico.

Da esfera pública passou-se à privada. William não escondeu o impacto do último ano e meio. “2024 foi o ano mais difícil que já tive”, confessou, referindo-se ao período em que a princesa Kate e o rei Carlos estiveram doentes.

“Questões relacionadas com a família deixam-me bastante exausto. É importante estarmos presentes uns para os outros e tranquilizar as crianças de que está tudo bem”, acrescentou, encarando a família como a sua prioridade n.º 1.

Segundo a BBC, William voltou a falar da tensão de conciliar os papéis de herdeiro da Coroa com a preocupação diária pela saúde da mulher e do pai, uma fase que descreveu como “complicada”.

Os filhos foram outro tema central da conversa. William explicou que George (de 12 anos), Charlotte (10) e Louis (7) não têm telemóveis, decisão dos pais para privilegiar a convivência familiar. “Em casa, o jantar é à mesa”, disse.

Fora de casa, cada um já tem paixões definidas: futebol e hóquei para George, netball e ballet para Charlotte, Louis partilha com a irmã o gosto pela cama elástica. “Pelo que posso perceber, eles estão a saltar e a dar tareia uns aos outros na cama elástica”, riu-se o pai.

As memórias da sua própria infância em Windsor também vieram à tona. William lembrou-se de quando corria pelos salões de madeira e apanhava farpas: “Hoje está alcatifado — os meus filhos não sabem a sorte que têm.” Entre risos, acrescentou que “George já sabe mais história do que eu.”

A conversa tocou ainda em recordações mais pesadas. William falou da infância marcada pelo divórcio de Carlos e Diana e pela pressão mediática constante. “Eu não quero repetir os erros dos meus pais”, disse, prometendo proteger a privacidade dos filhos.

O nome de Harry surgiu apenas de passagem. Não houve perguntas diretas — “assunto delicado”, admitiu Eugene Levy mais tarde. Ainda assim, William mencionou o irmão ao recordar como ambos cresceram sob o olhar implacável da imprensa. “Espero que não voltemos a algumas das práticas do passado em que Harry e eu crescemos”, disse, citado pela BBC.

O impacto do episódio especial do “The Reluctant Traveler” deve-se também ao formato. Ao contrário de entrevistas tradicionais com a família real, esta mostrou William em cenários inesperados: a passear com a cadela Orla, a beber uma cidra num pub, a falar de filmes.

Levy não era um jornalista especializado, mas um ator conhecido pelo humor. William confessou que era fã dos filmes “American Pie”, em que Levy interpretava um pai trapalhão. “Eu pertencia a essa geração”, disse o príncipe com humor.

Segundo a BBC, não houve perguntas combinadas nem tópicos proibidos. O Palácio de Kensington permitiu que áreas privadas de Windsor fossem filmadas. Uma aposta arriscada, mas eficaz: “É o mais aberto que já o vimos”, resumiu uma fonte real citada pelo canal britânico.

Para especialistas, a escolha da Apple TV+ insere-se numa estratégia mais ampla da família real em diversificar meios e plataformas. O rei Carlos III colabora com Netflix e Amazon, enquanto William aposta em formatos de alcance global e menos convencionais. “Foi surreal”, contou Eugene Levy. “Um príncipe herdeiro a chegar… de trotinete para beber uma cidra comigo.”

O episódio serviu à Apple, que ganhou manchetes, e também ao Palácio, que projetou a imagem de um herdeiro humano, próximo e com ideias próprias sobre o futuro da monarquia.