A linha de argumentação pró-voto útil começa por relembrar a própria particularidade de, em autárquicas, ganhar quem fica à frente, sendo irrelevante que dois partidos da oposição juntos possam formar uma maioria para tomar o poder. Não há geringonças, quem ganha é presidente e a governabilidade é uma questão para se gerir nos dias que se seguirem. Daí a tal pedagogia que Leitão vai fazendo pelas ruas, como a que fez no quiosque do Campo Grande, de tentar puxar para a sua coligação todo o voto à esquerda. E também em Alcântara, na manhã em que já se conheciam mais duas sondagens com empates técnicos: “Para a Câmara Municipal não é possível haver acordos pós-eleitorais. O que é que isto significa? Significa que quem ganhar, nem que seja por um, é presidente da Câmara”, “aliás, neste momento, há uma maioria de esquerda na Câmara Municipal e o presidente da Câmara é Carlos Moedas”, lembrava.
Sem surpresas, neste quadro, o objetivo da coligação da esquerda sem o PCP tem sido centrar os ataques em Moedas, acabando por deixar incólumes qualquer um dos outros adversários. Ao presidente em funções só não entra em confronto quando a argumentação entra pela ideia de radicalização associada à sua candidatura. É recorrente Moedas apontar à presença do Bloco de Esquerda na coligação que inclui o PS para tentar encostar Leitão à esquerda radical: ” O Bloco está dentro da candidatura”, disse ainda esta quinta-feira no debate com todos na RTP — e à saída, num minuto de declarações aos jornalistas, repetiu a palavra Bloco três vezes. Lá dentro, o mais longe que Leitão tinha ido na resposta foi para reduzir isso a “uma obsessão” do adversário.
Na mesma medida que Moedas procura afastar a adversária do centro, Leitão sabe que não pode assustar esse mesmo eleitorado. E, por isso, tem evitado entrar no confronto por essa via — até porque não há como negar, o Bloco e o Livre, partidos à esquerda do PS, estão mesmo na coligação e isso nem sempre é apontado apenas por Carlos Moedas (e nem sempre se pode ignorar).
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Logo na segunda-feira, na Estrada de Benfica, à porta de uma pequena agência de mediação imobiliária a candidata chocou com a tirada: “O meu problema é a sua ligação à esquerda“. Mas como vinha de um potencial eleitor, Alexandra Leitão teve mesmo de ir a jogo para garantir que não é radical. Desafiou o homem a ler o programa: “Se vir lá alguma coisa demasiado à esquerda e radical, muito bem, mas espreite o programa primeiro.” O seu interlocutor lá ia garantindo: “A Dra. não me parece radical”. “Não sou mesmo”, jurava a candidata que continua a lutar com essa sombra que lhe ficou dos últimos anos de crítica da linha de António Costa no PS e, claro, de ter sido a segunda figura do pedronunismo.
Mas na sexta-feira acabou por assumir que até com os comunistas pode vir a aliar-se no dia seguinte. Questionada sobre se estaria aberta a atribuir um pelouro a João Ferreira, se vencer as eleições, Leitão disse não ter “nenhum problema em ter uma conversa com o Partido Comunista” nesse dia seguinte. Ao seu lado, Rui Tavares ouvia e, de seguida, havia de criticar o PCP por não se ter aliado à coligação da restante esquerda. No entanto, quando foi também questionado sobre o que Leitão tinha acabado de admitir ali, Tavares jurou não ficar desconfortável com a hipótese: “O que eu acho é que o comboio da responsabilidade passa em estações que são certas. Aquela estação em que esse comboio da responsabilidade parou e quem sentiu a responsabilidade entrou no comboio, foi na altura de apresentarmos listas. Depois das eleições, haverá uma nova estação para o comboio da responsabilidade”, concedeu.