Um dos livros mais importantes sobre tecnologia nos últimos anos foi escrito por um filósofo. Trata-se de “Post-Europe” (Pós-Europa), de Yuk Hui, publicado pela MIT Press.
O argumento é simples e arrebatador. O planeta inteiro foi capturado pela lógica europeia: o culto à razão, à tecnologia e ao progresso. O pós-Europa é na verdade o triunfo das ideias europeias.
Só que esse projeto chegou agora ao limite. A Europa não é mais centro do mundo. Em outras palavras, quem escreveu o “software” do mundo contemporâneo não mais o controla. O bastão foi passado para os EUA, que virou a concretização hipertecnológica do pensamento europeu, expandindo seu “logos” e “technē” para o mundo todo.
Yuk chama isso de planetarização: a expansão total da racionalidade técnica, da economia e do modo de vida gerado pela modernidade europeia. Inspirado em Heidegger, ele descreve essa situação como “Heimatlosigkeit”, a perda da casa. Em outras palavras, todos nós, incluindo a Europa, nos tornamos desabrigados nesse mundo pós-europeu.
Hui dialoga com vários pensadores como o checo Jan Patočka e o francês Bernard Stiegler. O primeiro observa que, após a Segunda Guerra, a Europa entrou em um momento em que a civilização tecnológica eclipsou o “cuidado com a alma”. Sua resposta é nostálgica: reviver o ideal grego de “bem-viver” reforçando valores humanistas.
Já Stiegler refuta essa nostalgia propondo um confronto direto com a tecnologia. Enxergando-a tanto como ameaça como possível força de redenção, caso seja reorientada.
Colunas
Hui usa essas duas visões para mostrar que a própria filosofia europeia previu sua exaustão. O resultado do pensamento europeu foi de fato a hegemonia das máquinas, dos algoritmos e do consumo.
Hui analisa como responder a isso. Sua proposta é decisiva: aceitar o estado de desabrigo universal como ponto de partida. Em vez de sonhar com reconstruir uma “Europa” do passado, a questão é pensar em termos pós-europeus.
O que é a Ásia nesse contexto? Hui mostra como essa pergunta em si deriva da visão europeia sobre o continente. A Ásia não deve ser vista como “ser”, mas como um processo, uma oportunidade de “individuação”, onde o choque com a tradição europeia permite por vezes sua superação.
Como exemplo, ele cita autores como Nishida Kitaro, no Japão, e o interessantíssimo Mou Zongsan, da China (autor da frase: “O coração abre duas portas: do fenômeno e do númeno”). Ambos compreenderam o pensamento ocidental em profundidade, mas articularam com ele cosmologias próprias. Fizeram o que nós brasileiros chamamos de “antropofagia”: deglutir o europeu para produzir o novo.
A consequência do pensamento de Hui é que países como Brasil e Índia têm a responsabilidade de atuar como laboratório de respostas para o desabrigo pós-europeu. Somos, sim, parte Europa, mas não podemos de jeito nenhum nos deixar subsumir a ela.
A proposta de Hui é sair da tentação de perguntar “o que é?” para perguntar “o que fazer?”, lema dessa coluna.
Talvez esse seja o maior mérito do livro: lembrar que a tarefa filosófica do nosso tempo é aprender como habitar o exílio.
Já era – produzir novelas só em formato horizontal
Já é – produzir novelas em formato vertical
Já vem – novelas tanto verticais como horizontais produzidas por IA, sem estúdios e dispensando boa parte dos redatores
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