Um simples exame de sangue, realizado ainda no primeiro trimestre da gestação, poderá ajudar a identificar precocemente o risco de diabetes gestacional – condição que afeta até 14% das grávidas no mundo e traz consequências tanto para a mãe quanto para o bebê. Essa é a principal conclusão de um estudo publicado na revista BMC Medicine, que analisou quase 100 biomarcadores presentes em gestantes por meio de amostras de sangue aleatórias, ou seja, sem necessidade de jejum.
A pesquisa identificou sete biomarcadores-chave que seriam capazes de prever com até 80% de acurácia o desenvolvimento da doença meses antes do método tradicional de diagnóstico. Atualmente, o diabetes gestacional costuma ser detectado apenas entre a 24ª e a 28ª semanas de gravidez, por meio do teste oral de tolerância à glicose (TOTG). O exame exige que a gestante faça jejum noturno, além da ingestão de uma solução açucarada e várias coletas de sangue realizadas ao longo de duas a três horas.
Os autores analisaram amostras de gestantes que estavam entre 10 e 14 semanas de gravidez. Entre os biomarcadores mais importantes encontrados estão a hemoglobina glicada (HbA1C), exame já amplamente conhecido que mostra a média de glicose dos últimos meses; o IGFBP-2 (proteína que regula fatores de crescimento e metabolismo); a leptina (hormônio ligado ao apetite e ao gasto de energia); alguns ácidos graxos(que sãotipos de gorduras no sangue); além de glicina e ácido aspártico (tipos de aminoácidos que também participam do metabolismo da glicose e da energia).
Alguns são testados rotineiramente e têm baixo custo; outros estão disponíveis sob solicitação médica; e há marcadores metabolômicos mais específicos, que requerem análise laboratorial especializada e ainda não são amplamente disponíveis na prática clínica.
Segundo o artigo, a análise deles em conjunto pode melhorar significativamente a previsão de risco para o diabetes gestacional, indo além dos fatores convencionais, como idade materna, índice de massa corporal pré-gestacional e histórico familiar de diabetes. Com isso, o rastreamento e a prevenção começariam mais cedo, antes que sintomas ou complicações se instalassem.
“Vários estudos têm investigado biomarcadores sanguíneos no primeiro trimestre para prever o risco de diabetes gestacional antes do exame convencional [teste oral de tolerância à glicose]. Esses biomarcadores parecem promissores, mas, dentre eles, apenas a HbA1c é amplamente utilizada na prática clínica, sendo acessível e de baixo custo”, observa a ginecologista Ana Paula Beck, do Einstein Hospital Israelita. Porém, o teste tem limitações em gestantes devido à maior renovação das células do sangue e à possibilidade de anemia, o que reduz sua precisão para a triagem de diabetes gestacional.
Beck ressalta que os outros biomarcadores ainda não são rotineiramente utilizados porque requerem métodos laboratoriais especializados e ainda precisam de validação adicional em grandes coortes. “As diretrizes atuais recomendam o teste oral de tolerância à glicose como padrão-ouro para diagnóstico, e a integração de novos biomarcadores ainda depende de padronização, análise de custos, disponibilidade e validação multicêntrica antes de chegarem ao consultório”, afirma.
Por trás da condição
O diabetes gestacional é caracterizado pelo aumento dos níveis de glicose no sangue, identificado pela primeira vez durante a gravidez. Segundo Ana Paula Beck, a prevalência tem crescido em paralelo ao aumento da obesidade e do diabetes tipo 2 na população. “Os principais fatores de risco são idade materna avançada, excesso de peso, histórico familiar da doença, síndrome dos ovários policísticos e gestações anteriores com diabetes gestacional”, relata.
Os sintomas geralmente são inespecíficos ou ausentes, pois a hiperglicemia costuma ser leve. Contudo, embora muitas vezes seja assintomática, a condição pode gerar sérios impactos na gestante, aumentando o risco de pré-eclâmpsia, parto cesáreo, infecções e evolução para diabetes tipo 2. Também eleva a probabilidade de macrossomia (bebê muito grande ao nascer), hipoglicemia neonatal, icterícia e prematuridade.
Apesar das restrições, a descoberta do novo estudo é considerada promissora porque pode mudar a maneira como as gestantes são acompanhadas. Se os biomarcadores forem confirmados, fazer o exame precoce permitiria que intervenções fossem adotadas logo no início da gravidez. “Ao identificar precocemente uma mulher com alto risco, podemos oferecer orientações personalizadas de dieta, incentivar atividade física, intensificar o monitoramento glicêmico e até mesmo antecipar o tratamento, reduzindo complicações para mãe e bebê”, conclui a médica do Einstein.