Ela se tornou a rainha das redes sociais dos produtores de conteúdo sobre exercícios físicos e alimentação saudável. É a estrela para quem busca força, foco e músculos. Também é responsável por garantir saciedade. Bem-vindos ao fantástico mundo da proteína, impulsionada por um sem número de produtos como os famosos whey, barrinhas, shakes e suplementos. Se antes as calorias eram as grandes vilãs da dieta, agora a obsessão pela contagem proteica dos alimentos chega para nos salvar.

“Gorduras e carboidratos são alimentos altamente palatáveis e fortemente associados com a curva de aumento da obesidade no Brasil e no mundo”, diz a endocrinologista Isabela Bussade, do Rio. Por causa disso, continua, criou-se uma generalização de que elas são ruins. Resquício de um histórico de consumo de gorduras saturadas, ultraprocessados e carboidratos refinados de baixo valor nutricional. “Então, a proteína sobra como uma grande escolha. Mas precisamos dos três em porções adequadas para uma boa saúde.”

Falar sobre alimentação apenas pela ótica de seus nutrientes é chamado de nutricionismo. O termo foi criado pelo pesquisador australiano Gyorgy Scrinis e se refere a uma visão reducionista da alimentação, focada apenas na sua funcionalidade, de forma individual. “Há muito da cultura fitness disseminada pelas redes e uma propaganda massiva da indústria de alimentos persuadindo as pessoas. Tudo isso cria a ideia de que a alimentação puramente funcional é a melhor escolha, quando realmente não é”, explica Isabela.

Seguindo a mesma dieta há 15 anos com apenas uma refeição livre por semana e rotina fitness sem descanso, a engenheira paulista Daiane Giacomin, de 39 anos, alçou a proteína à protagonista do cardápio diário. “Peso as minhas refeições, uso whey, consumo alfajor proteico e barrinha, além de gelatina zero”, detalha ela. O estilo de vida, com direito a quase um quilo de proteína por semana, é puramente estético. “Olho no espelho, visto uma roupa, me sinto bem. O corpo é um cartão de visitas.”

Amiga de Daiane, a executiva de vendas Andreza Bezerra, de 40 anos, segue a mesma cartilha. Com um passado no fisiculturismo, deixou os sacrifícios extremos para trás, mas ainda não abre mão de uma rígida rotina proteica. “Vivo como atleta todos os dias porque gosto. A proteína ajuda na construção da fibra dos músculos. Mas não sou a favor dessa compulsão louca, até porque o excesso sobrecarrega os órgãos”, pondera.

Para a nutricionista Marina Nogueira, do perfil @naocontocalorias, o boomda proteína reforça a volta da ditadura da magreza, aliada ao uso das canetas emagrecedoras. “As dietas Atkins, Dukan, tiveram o auge dos anos 1970 a 1990. Agora, com as canetas, você emagrece rápido e pode perder massa muscular”, acredita ela. “Mas na nossa alimentação, de modo geral, não há déficit de proteínas, não há necessidade de suplementação.” As redes sociais, continua, trazem uma sensação de inadequação sobre os alimentos, especialmente para as mulheres. “Existe um medo grande sobre o que comer. Nos desconectamos de como se faz um alimento e de como ele é produzido”, diz Marina.

Além do medo, toda a dinâmica em torno de uma vida fitness foi alçada, junto com as proteínas, a um status permanente a ser exibido nas redes sociais, diz o nutricionista Muriel Depin, do perfil @obarrigapositiva. “Hoje em dia as pessoas usam roupa de academia em ambientes que antes elas jamais usariam. E são roupas supercaras, tênis, garrafinha, etc. É um status social”, garante. E assim como Marina, concorda que perdemos o prazer em cozinhar ou entender melhor a composição dos alimentos. “O que você encontra no suplemento, há nos alimentos de maneira geral: nas carnes, nos ovos, nos queijos. Costumo falar que para muitas pessoas comer vira uma perda de tempo. Não existe isso de ‘ah, vou tirar um tempo para cozinhar, planejar minha alimentação, de forma mais saudável a adequada'”.

Não dá para negar os benefícios do consumo proteico. Mas o olhar obcecado tem feito o prazer sair cada vez mais da mesa. “É preciso estabelecer uma relação equilibrada entre rotina e exceção. A exceção faz parte de uma vida saudável. Nosso corpo é preparado para receber alimentos doces e determinados tipo de gorduras de tempos em tempos”, ressalta Isabela Bussade. O primeiro passo para o equilíbrio é entender que saúde alimentar é muito mais do que apenas proteínas no prato. “É comer de tudo e ser feliz comendo. Assim, você tem saúde e fica em paz”, resume a nutricionista Marina Nogueira.