O primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, apresentou na manhã desta segunda-feira a sua demissão a Emmanuel Macron, que a aceitou, anunciou o Palácio do Eliseu num curto comunicado. Esteve menos de um mês no cargo.

Não estavam “reunidas as condições” para governar, resumiu num curto discurso ao país, na manhã desta segunda-feira. Negociar um orçamento é “uma tarefa difícil, sem dúvida, ainda mais neste momento”, assume.

Admitindo que, nas últimas três semanas não “falou muito” ao país – manteve uma postura discreta, com poucas entrevistas e comunicações ao país —, diz que esteve a trabalhar nos bastidores, com “consultas que permitiam avançar em alguns temas” e mantendo o “sentimento de que avançaríamos”.

No entanto, e já depois de, na sexta-feira, ter anunciado que não se faria valer do artigo 49.3.º da Constituição — que lhe permitiria fazer avançar a aprovação do orçamento mesmo sem o voto a favor do Parlamento — lamenta que os políticos de outras forças partidárias finjam “não ver a ruptura profunda de não usar o 49.3”.

Cita-a entre as razões que o levaram a abdicar do cargo. Na sua opinião, o facto de os vários pontos do orçamento serem discutidos e aprovados em Assembleia acabaria com os “pretextos para uma censura subsequente”. No entanto, ainda este sábado, o primeiro secretário do Partido Socialista, Olivier Faure, ameaçou novamente com a possibilidade de uma moção de censura, “se a situação não mudar”.

Há mais razões: a postura dos partidos políticos, “como se tivessem todos uma maioria absoluta na Assembleia”, em que Lecornu se viu numa situação em que estava “pronto para compromissos”, mas que cada partido queria, antes, que se adoptasse “o seu programa completo”.

E, por fim, a composição do “governo da base comum [composta pelos partidos mais próximos de Macron] não era fluida e deu lugar ao acordar de apetites partidários” que muitas vezes se relacionavam com “a eleição presidencial futura”, a acontecer em 2027.

“Já faltava pouco”, lamenta. “Há coisas que se podem fazer antes de 2027”, desde que haja “um sentido de interesse geral e substância”, completa.

Construir um compromisso político é feito de uma “combinação de linhas verdes com linhas vermelhas”, afirmou. “Têm sempre de preferir o vosso país ao vosso partido. Devem saber ouvir os vossos eleitores, mas pensar sempre nos franceses”, concluiu, antes de agradecer a todos para se despedir.

Governo só se conhecia há menos de 24 horas

A renúncia acontece menos de um mês depois de ter sido nomeado e horas depois de Lecornu relevar a composição parcial do seu Governo, com o anúncio de 16 ministros e dois delegados, quase todos de centro-direita e direita e muitos deles vindos do gabinete do seu antecessor, François Bayrou.

Da oposição, as primeiras reacções aos nomes do novo Governo, anunciados no domingo, foram rápidas, tanto da esquerda como da extrema-direita. Criticaram a opção pela continuidade, por exemplo, com a nomeação de Bruno Le Maire para a pasta da Defesa, prevendo já uma nova queda do executivo, sem pactos com outros partidos, nem apoio parlamentar que ultrapasse um voto de desconfiança, que os opositores de Macron ameaçam apresentar.

“A eleição deste mesmo Governo, temperado com o homem que levou França à bancarrota, é patética. Estamos sem palavras”, disse Marine Le Pen, líder da União Nacional, que se referiu à nomeação de Bruno Le Maire e à situação das contas públicas francesas, quando deixou o cargo de ministro da Economia em 2024.

Depois de o primeiro-ministro ter apresentado a sua demissão, Marine Le Pen voltou a um pedido que tem feito insistentemente ao longo dos últimos meses: a dissolução da Assembleia e novas eleições legislativas.

Na sequência da apresentação da demissão do primeiro-ministro, Jean-Luc Mélenchon, líder do France Insoumise, pediu uma “revisão imediata” do pedido de impeachment apresentado contra Emmanuel Macron. “Pedimos a consideração imediata da moção apresentada por 104 deputados para a demissão de Emmanuel Macron “, reagiu o líder do partido da esquerda no X.

O impasse político tem raízes na decisão de Macron de dissolver a Assembleia Nacional, em Junho de 2024, e partir para eleições, que goraram as expectativas de fortalecer a sua aliança centrista pró-europeia. O resultado foi uma câmara baixa do parlamento fragmentada, sem um bloco político dominante, nem capacidade de estabelecer alianças.

A economia francesa, uma das maiores do mundo e a segunda maior da União Europeia, enfrenta um défice e uma dívida pública crescentes.

Lecornu ia enfrentar o seu primeiro teste na terça-feira, quando discursasse na Assembleia Nacional, para apresentação do programa do Governo e das linhas do orçamento para 2026.