Segundo relata o jornal “Le Figaro”, em Paris, dezenas de gendarmes e um par de tanques cercavam a embaixada Espanhola, tal como em Bona, onde a embaixada era guardada por dois blindados e respetiva tropa. Em Estrasburgo, foi atirado um cocktail molotov, mas a polícia dispersou os 500 manifestantes com granadas de gás lacrimogénio e tiros para o ar. Em Lisboa, sem proteção e com furor revolucionário, tudo foi diferente.
Em Portugal, a contestação estava ao rubro. O PCP e a extrema-esquerda tinham tomado as ruas, que eram agora campo de batalha contra o governo não comunista de Pinheiro de Azevedo. O COPCON de Otelo estava a perder credibilidade e peso político, desde a Assembleia de Tancos, mas o clima de irresponsabilidade e impunidade era total. Tudo era permitido desde que sustentado num ideal revolucionário. Estavam misturados todos os ingredientes para que a manifestação de protesto se transformasse num quase motim descontrolado.
Antonio Poch, embaixador de Espanha em Portugal, diplomata de carreira e catedrático em Filosofia, em entrevista ao jornal ABC, relatava: “Tínhamos notícias de que estavam previstos sequestros, inclusivamente as mortes de alguns diplomatas espanhóis”. O seu n.º 2 na embaixada, Inocêncio Arias, que se tornou mais tarde conhecido por ter sido diretor de futebol do Real Madrid no início dos anos 90, recordou os acontecimentos: “Temíamos alguma coisa em Setembro. O embaixador falou com Costa Gomes a pedir proteção adequada, e o Presidente da República disse-lhe para não se preocupar”. Uns dias antes, já o embaixador tinha também pedido proteção a Melo Antunes, o novo ministro dos Negócios Estrangeiros do VI Governo Provisório.
A Embaixada, a 1 de Setembro de 1975, já tinha sofrido um atentado com a colocação de uma bomba no Palácio de Palhavã, em Sete Rios, e, um dia depois, no Consulado-Geral de Espanha no Porto, explodiu outra bomba de baixa potência, mas ainda assim provocando quatro feridos ligeiros e prejuízos materiais. Ambos os atentados foram reivindicados pela Solidariedade Revolucionária Internacionalista, movimento sem rosto, nem pátria. A expectativa que o processo revolucionário criou, em particular nos movimentos comunistas e de extrema-esquerda, provocou vagas de apoio que se consubstanciavam em manifestações e outro tipo de ações mais musculadas.
Nesses dias, cada vez que alguém saía do consulado no Palácio Lima Mayer, na esquina da Rua do Salitre com a Avenida da Liberdade, eram fotografados, sem saberem porquê ou por quem. Uns dias antes, houve mesmo uma manifestação em frente à embaixada. Inocêncio Arias, que tinha acabado de chegar a Portugal, infiltrou-se nesse dia entre os manifestantes, cerca de 500, mas, para sua surpresa, só metade eram portugueses. Os restantes eram espanhóis, chilenos, franceses, alemães. O caldo da internacional revolucionária estava cozinhado, mas os protestos contra a pena de morte eram apenas instrumentais para a invasão, destruição e roubo da embaixada. Alguém orquestrava e manobrava bem aquela gente.
Segundo o conselheiro da Embaixada, “os que dirigiam aquilo eram espanhóis da FRAP [Frente Revolucionária Antifascista e Patriótica], a qual pertenciam três dos cinco condenados à morte pelo Conselho de Guerra de Burgos de 28 de Agosto; e, além de portugueses, havia também chilenos, cubanos, brasileiros, tupamaros (grupo guerrilheiro de extrema-esquerda do Uruguai), italianos… um bom sortido da IV Internacional trotskista.” Ao contrário do que se poderia pensar, não havia só protestos espontâneos, mas sim organizados, premeditados e coordenados.
Melo Antunes alertou o Presidente Costa Gomes sobre os riscos existentes e este solicitou ao COPCON que fossem tomadas medidas de proteção. Otelo ordenou ao RALIS (Regimento de Artilharia de Lisboa, comandado pelo comunista Dinis de Almeida) para destacar tropas para proteger a embaixada e as suas delegações. No entanto, como era hábito em alguns setores mais radicais do exército, todas as decisões careciam de validação numa assembleia ou plenário, de soldados e de sargentos, com alguns oficiais, que discutiram se cumpriam ou não as ordens. Por isso, acabaram por não aparecer. “O RALIS não sai porque sair era pactuar com o regime franquista!“ Embaixador queixar-se-ia mais tarde: “A segurança da embaixada ficou a cargo do regimento mais vermelho de Portugal. Creio que foi uma ingenuidade, uma criancice”.