Descoberta em Alberta ajuda a desvendar como espécies marinhas deram origem a peixes de água doce há mais de 150 milhões de anos

Um fóssil minúsculo encontrado no sudoeste do Canadá está a lançar nova luz sobre a origem e evolução de um dos maiores grupos de peixes do planeta — os otófisos — que incluem espécies conhecidas como os peixes-gato e as carpas.

A descoberta, liderada por investigadores da Universidade de Western Ontario, em colaboração com o Museu Real Tyrrell de Paleontologia e várias instituições internacionais, foi publicada na prestigiada revista Science.

Foto: Don Brinkman (Royal Tyrrell Museum)

O fóssil, batizado Acronichthys maccagnoi, pertence a uma espécie até agora desconhecida e mede apenas cerca de 4 centímetros de comprimento. Viveu durante o Cretácico Superior, entre 100 e 66 milhões de anos atrás, numa época dominada por dinossauros como o Tyrannosaurus rex. O exemplar foi encontrado em sedimentos que se formaram bem no interior do antigo Mar Interior Ocidental, um vasto mar que cobria grande parte da América do Norte nessa altura.

“O Acronichthys é particularmente entusiasmante porque preenche uma lacuna importante no registo fóssil dos otófisos. É o membro mais antigo deste grupo descoberto na América do Norte e fornece dados cruciais sobre a origem e evolução precoce de muitas das espécies de água doce que conhecemos hoje”, explica Neil Banerjee, professor de Ciências da Terra na Universidade de Western Ontario e coautor do estudo.

O ouvido interno dos peixes

Os otófisos são um supergrupo de peixes caracterizado por uma adaptação muito particular: as primeiras quatro vértebras da coluna estão modificadas para transmitir vibrações da bexiga natatória até ao ouvido interno.

A bexiga natatória é um órgão cheio de gás que permite aos peixes manterem a flutuabilidade sem gastarem energia. Nos otófisos, esse órgão também funciona como uma espécie de “caixa de ressonância” — um mecanismo que melhora a audição e permite detetar sons e vibrações na água, um pouco como um ouvido humano adaptado ao meio aquático.

Essa estrutura está claramente visível no fóssil de Acronichthys e foi estudada em detalhe através de microtomografia computorizada (micro-CT) — uma técnica de imagem semelhante à usada em hospitais, mas muito mais precisa.

“Muitos dos fósseis do Museu Royal Tyrrell são extremamente frágeis e, em alguns casos, impossíveis de remover da rocha sem se destruírem. As micro-CT permitem-nos observar o interior do espécime com grande detalhe e de forma totalmente segura”, explica Lisa Van Loon, professora adjunta de Ciências da Terra e especialista em técnicas de imagem avançadas.

Van Loon utilizou feixes de luz síncrotron — um tipo de radiação muito intensa gerada por aceleradores de partículas — nos centros Canadian Light Source (Saskatoon) e Advanced Photon Source (Illinois), o que permitiu obter imagens tridimensionais minuciosas do fóssil sem o danificar.

Da água salgada à água doce

A descoberta do Acronichthys não só acrescenta uma nova espécie ao registo paleontológico, como também ajuda a resolver um enigma evolutivo: como é que certos peixes marinhos se adaptaram para viver em rios e lagos.

Os investigadores concluíram que essa transição dos otófisos ocorreu pelo menos duas vezes na história evolutiva do grupo e recua até 154 milhões de anos atrás, no Jurássico Superior — já depois da fragmentação do supercontinente Pangeia.

A grande incógnita agora é compreender como os antepassados destes peixes conseguiram espalhar-se por diferentes continentes, dado que as espécies de água doce não poderiam atravessar os oceanos salinos.

“Os dinossauros tendem a monopolizar as atenções, mas o mundo dos peixes pré-históricos é vasto e ainda muito pouco explorado. Este fóssil, encontrado aqui mesmo no Canadá, oferece-nos uma peça fundamental para compreender a origem dos grupos que hoje dominam rios e lagos em todo o mundo”, sublinha Don Brinkman, curador emérito do Museu Royal Tyrrell.

A descoberta de Acronichthys maccagnoi reforça a importância dos sítios fósseis canadianos e demonstra como tecnologias avançadas, como a microtomografia e os síncrotrons, estão a transformar a paleontologia — permitindo revelar segredos guardados na pedra há dezenas de milhões de anos.