Da afirmação do Dalai Lama de que é a “melhor meditação” à insistência de Benjamin Franklin de que ela torna a pessoa “saudável, rica e sábia”, uma boa noite de sono tem sido há muito tempo considerada o segredo para uma vida saudável.
E a American Heart Association (AHA) concorda. Em 2022, a sociedade adicionou a duração do sono ao Life’s Simple 8 ─ sua lista de verificação para uma saúde cardíaca ideal ─, com base em fortes evidências de estudos epidemiológicos que relacionam a duração inadequada do sono a desfechos cardiometabólicos desfavoráveis, como obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e acidente vascular cerebral.
Contudo, novas pesquisas sugerem que está na hora de os cardiologistas considerarem mais do que apenas a duração do sono. “Há muito tempo se sabe que a falta de sono está associada à doença coronariana”, disse a médica Dra. Martha Gulati, diretora de Cardiologia Preventiva do Smidt Heart Institute no Cedars-Sinai, nos EUA.
A Dra. Martha enfatizou que a duração adequada do sono (entre sete e nove horas) também está associada a características saudáveis, como melhor pressão arterial, melhor controle do colesterol e peso saudável.
No entanto, a quantidade de horas que uma pessoa dorme por noite é apenas a ponta do iceberg, disse ela. Pesquisas mostram que a regularidade e o horário preferido para dormir, conhecido como cronótipo do sono, também são importantes.
Em um estudo realizado no Reino Unido em 2023, indivíduos de meia-idade que se consideravam notívagos — cronótipo vespertino — apresentaram sinais de remodelação cardíaca potencialmente prejudicial na ressonância magnética cardíaca, em comparação com pessoas matutinas.
E os danos podem começar cedo. Em um estudo recente com adolescentes, a menor duração do sono foi associada a marcadores adversos de remodelação da parede do ventrículo esquerdo e acúmulo de gordura no fígado, sugerindo um efeito cumulativo na saúde, de acordo com os autores.
O estudo MESA Sleep Ancillary constatou que pessoas com maior irregularidade nos padrões de sono — como adormecer em horários diferentes a cada noite — tinham uma quantidade maior de cálcio nas artérias coronárias do que aquelas com padrões de sono mais regulares.
Como o sono está associado a várias doenças cardiometabólicas, a Dra. Julie Marcus, cardiologista do Weill Cornell Medicine/New York Presbyterian Hospital, nos EUA, disse que lidar com a falta de sono se tornou um aspecto importante, mas subestimado, da manutenção da saúde cardíaca.
A médica acrescentou que os pacientes também precisam estar cientes de que a má qualidade do sono pode afetar sua saúde e sobre quais são os vários componentes de um sono saudável.
“Além de dizer se você ronca ou para de respirar à noite e se você dorme entre sete e nove horas, há muito mais coisas importantes sobre o sono”, disse a Dra. Julie.
Expandindo a definição de saúde do sono
No início deste ano, a AHA publicou uma declaração científica atualizada que aborda a saúde multidimensional do sono, que abrange aspectos como duração, horário, regularidade, funcionamento diurno relacionado ao sono, satisfação, continuidade — a capacidade de iniciar e manter o sono — e arquitetura do sono, ou seja, a quantidade e a duração dos vários estágios do sono.
A Dra. Marie-Pierre St-Onge, Ph.D., pesquisadora de saúde do sono e primeira autora da declaração, explicou que ela foi elaborada para incentivar novas pesquisas mais abrangentes.
“Queremos que as pessoas saibam que o sono é mais do que apenas a duração do sono à noite”, disse a Dra. Marie-Pierre, diretora do Centro de Excelência em Pesquisa do Sono e Ritmo Circadiano da Columbia University, nos EUA.
Por exemplo, ela explicou que a sonolência diurna excessiva foi associada a doenças cardiovasculares, doenças coronárias, acidente vascular cerebral e mortalidade por todas as causas. Da mesma forma, distúrbios do sono foram associados a hipertensão arterial sistêmica, rigidez arterial e doenças coronárias.
Compreendendo o mecanismo de ação da má qualidade do sono
A Dra. Marie-Pierre enfatizou que as novas pesquisas também contribuíram para uma melhor compreensão das associações entre sono de má qualidade e piora dos desfechos cardiometabólicos.
Sua pesquisa mostrou que a restrição do sono aumenta o estresse oxidativo no revestimento das artérias, o que pode levar à disfunção endotelial. Dormir pouco também prejudica a capacidade do organismo de neutralizar esse estresse oxidativo.
“Observamos a supressão imunitária causada pela má duração e qualidade do sono”, disse a Dra. Marie-Pierre.
Além disso, constatamos associações entre a regularidade do sono e os padrões alimentares, observou a pesquisadora.
A Dra. Martha acredita que a declaração da AHA representa uma oportunidade para conscientizar pacientes, cardiologistas e pesquisadores clínicos sobre a importância de entender melhor esses efeitos causais da má saúde multidimensional do sono.
“Acredito que também seja um chamado à ação para aprimorar a avaliação do sono, especialmente em pesquisas, para que possamos analisar rigorosamente esses componentes”, disse a Dra. Martha. “Precisamos saber quais intervenções também podem melhorar os componentes do sono e seus efeitos na saúde cardiovascular. Essas lacunas de conhecimento precisam ser preenchidas.”
Falando sobre saúde do sono
Essas lacunas de conhecimento são a razão pela qual a declaração não oferece orientação sobre abordagens clínicas, mas a Dra. Marie-Pierre enfatizou a importância de orientar os pacientes e discutir esse assunto com eles agora.
Ela recomendou fazer uma pergunta aberta: “Como está seu sono?”. “Esse tipo de questionamento inicia um diálogo para que as pessoas expressem exatamente o que as está incomodando com relação ao sono.”
Por exemplo, ela disse: “Pode ser que eles durmam bastante, mas fiquem acordados por muito tempo, ou tenham dificuldade para dormir, ou durmam muito, mas ainda assim acordem sem se sentir revigorados durante o dia”.
Começar a conversa — e documentá-la em prontuário — será o primeiro passo para ajudar pacientes com problemas de sono, disse ela.
A Dra. Julie concordou que os cardiologistas devem reservar um tempo para discutir a saúde do sono com os pacientes, embora isso possa ser mais complicado do que tratar o colesterol ou a pressão arterial, porque “o sono não é um número”.
Ainda assim, ela disse que entender a má qualidade do sono de um paciente também pode fornecer aos médicos novos fatores de risco modificáveis para melhorar sua saúde cardiovascular.
“O sono é o próximo alvo”, disse a Dra. Julie. “Sabemos que ele afeta a saúde, e é só uma questão de como podemos fazer o rastreamento.”
A Dra. Martha Gulati relatou conflitos de interesses com Boehringer Ingelheim Pharmaceuticals, Medtronic, Merck & Co., New Amsterdam e Zoll.
As Dras. Marie-Pierre St-Onge e Julie Marcus informaram não ter conflitos de interesses.
Este conteúdo foi traduzido do Medscape