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Ilustração 3D de uma vista transversal de um gânglio linfático
A remoção de gânglios linfáticos durante cirurgias oncológicas salvou inúmeras vidas em diversos tipos de tumor. No entanto, estudos recentes estão a pôr em causa partes desta prática há muito estabelecida.
Imagine que as defesas imunitárias do corpo são uma cidade, e os gânglios linfáticos os centros onde a polícia e os bombeiros se reúnem para trocar informações e preparar o combate ao crime.
O que acontece se forem removidos demasiados desses centros? Esta é a nova questão que está no centro da cirurgia oncológica moderna, explica Justin Stebbing, professor de Ciências Biomédicas na Anglia Ruskin University, no Reino Unido, num artigo no The Conversation.
Quando os cirurgiões removem gânglios linfáticos, fazem-no geralmente por duas razões: para determinar se o cancro já se espalhou e para prevenir a sua propagação para outros órgãos. Durante décadas, esta abordagem foi considerada o padrão de tratamento mais eficaz.
Quando um tumor escapa ao seu local de origem, as células cancerígenas tendem a viajar através dos vasos linfáticos e a instalar-se nos gânglios mais próximos, que funcionam como filtros biológicos. Detetar células tumorais nesses gânglios indica que a doença pode ter maior probabilidade de regressar após o tratamento.
A remoção desses gânglios permite aos médicos determinar com precisão a fase de desenvolvimento em que a doença se encontra e, potencialmente, aumentar as hipóteses de eliminar todas as células tumorais, além de dar indicação aos oncologistas de que o cancro deve ser tratado de forma mais agressiva.
Mas os gânglios linfáticos não são meros pontos de passagem: têm um papel ativo na resposta imunitária do organismo, funcionando como locais de encontro onde as células do sistema imunitário trocam informações sobre o cancro, realça Stebbing.
Estudos recentes levaram os investigadores a repensar a importância destes centros na ativação de reações imunitárias poderosas e duradouras.
Um destes estudos, conduzido por investigadores da Universidade de Melbourne, na Austrália, e recentemente publicado na Nature Immunology, mostra que os gânglios linfáticos ajudam a manter um tipo especial de célula imunitária, designada “linfócito T CD8 positivo”, capaz de destruir células cancerígenas.
Estas células são preparadas e mantidas prontas a agir graças ao ambiente dentro dos gânglios linfáticos.
Sem estes centros, a resposta imunitária do corpo contra o cancro, em especial durante tratamentos de imunoterapia, pode ser mais fraca do que se pensava.
A investigação mostra que as células específicas dos gânglios desencadeiam um primeiro surto de atividade anticancerígena. Contudo, este efeito apenas foi demonstrado em laboratório, e ainda não em seres humanos.
A remoção de gânglios linfáticos não está isenta de riscos. Os doentes podem sofrer inchaço (linfoedema), maior risco de infeções no membro afetado e, por vezes, dor crónica ou dificuldades de mobilidade.
Há também receios de que, ao remover gânglios linfáticos, reduzindo assim o risco imediato de disseminação do cancro, se possa também, inadvertidamente, enfraquecer as defesas imunitárias a prazo, sobretudo numa época em que os tratamentos modernos dependem cada vez mais da imunidade natural do próprio doente.
Porque é que os cirurgiões continuam, então, a remover gânglios linfáticos?
Em muitos tipos de tumores sólidos, o risco de metastização continua elevado, e o envolvimento dos gânglios é um dos melhores indicadores de recidiva do cancro.
A remoção de gânglios também fornece informação essencial para escolher os tratamentos mais eficazes após a cirurgia. No cancro da mama, por exemplo, os médicos recorrem frequentemente à “biópsia do gânglio sentinela”, removendo apenas o primeiro gânglio para onde drena o fluido proveniente do tumor.
Ao analisar apenas esse “gânglio sentinela”, é possível verificar se o cancro se espalhou, reduzindo o número de gânglios removidos e diminuindo o risco de efeitos secundários.
Os investigadores estão a compreender melhor como funcionam os gânglios linfáticos em doenças de longa duração. O novo estudo mostra que os gânglios não são simples filtros passivos; são verdadeiros centros de treino, onde células imunitárias especiais crescem, multiplicam-se e se tornam combatentes eficazes.
Isto é especialmente importante durante tratamentos que reforçam o sistema imunitário, como as terapias de bloqueio de pontos de controlo, atualmente usadas em diversos tipos de cancro.
Estes resultados sugerem que remover gânglios linfáticos não só impede a propagação do cancro, como também elimina centros fundamentais onde o sistema imunitário vigia o corpo e se reativa para combater a doença.
Na última década, os hospitais têm adotado cirurgias mais suaves e direcionadas aos gânglios linfáticos. Em vez de remover todos os gânglios de uma região, o objetivo é agora minimizar o impacto, retirando apenas os que têm maior probabilidade de conter células tumorais.
Esta abordagem reduz as complicações para os doentes e pode ajudar a preservar a sua imunidade. Alguns doentes com cancros em fase inicial podem até evitar completamente a remoção de gânglios, recorrendo antes a exames de imagem e biópsias para monitorizar eventuais disseminações.
Para quem teme as consequências de uma remoção extensa de gânglios, estão a surgir terapias promissoras. Fármacos de imunoterapia, tratamentos direcionados e até vacinas contra o cancro estão a ser desenvolvidos para “reeducar” o sistema imunitário, mesmo quando alguns gânglios foram retirados.
Ainda assim, há cada vez mais evidência de que os doentes obtêm melhores resultados quando pelo menos alguns desses centros são preservados, mantendo a capacidade do corpo de montar e sustentar uma defesa contra células cancerígenas remanescentes.
No futuro, a cirurgia oncológica poderá tornar-se ainda mais personalizada. Ao mapear a atividade no interior dos gânglios linfáticos — identificando quais são essenciais para a função imunitária e quais têm maior probabilidade de gerar novos tumores — os médicos poderão adaptar a cirurgia, garantindo a cada doente o máximo benefício com o mínimo de danos.
Estas descobertas recentes desafiam cirurgiões e oncologistas a ponderar cuidadosamente cada decisão: não apenas o que é removido hoje, mas também as defesas imunitárias que ficam para o amanhã.