Quando Jony Ive, o lendário designer responsável pela estética icónica do iPhone, se juntou à OpenAI, a criadora do ChatGPT, para desenvolver um novo dispositivo de inteligência artificial, as expectativas dispararam para a estratosfera. A promessa era a de um “dream team” que iria criar a próxima grande revolução na computação pessoal. No entanto, um novo e revelador relatório do Financial Times mostra que o caminho para o futuro está cheio de obstáculos.
O projeto, que se mantém envolto em secretismo, está a enfrentar uma série de desafios significativos que podem atrasar o seu lançamento. Os problemas não são apenas técnicos, mas também filosóficos e práticos, abrangendo desde a “personalidade” do assistente de IA até à capacidade da OpenAI para suportar um produto de consumo em massa.
O que é este misterioso dispositivo?
O que sabemos até agora é que não se trata de mais um smartphone. O projeto visa criar um dispositivo pequeno, do tamanho da palma da mão e sem ecrã, que interage com o utilizador através de um microfone, uma câmara e um altifalante. Pensa nele como a evolução do altifalante inteligente, uma espécie de companheiro de IA ambiente que te pode acompanhar.
Uma das suas características mais radicais é a de ser “sempre ativo” (always-on). Ao contrário da Alexa ou do Assistente Google, não precisaria de uma palavra-chave para ser ativado. Os seus sensores estariam constantemente a recolher informação ao longo do dia para construir uma “memória” contextual e poder ajudar-te de forma mais proativa.
Os três grandes dilemas do “dream team”
O relatório do Financial Times destaca três grandes áreas onde o desenvolvimento está a encontrar dificuldades.
O problema da personalidade: como deve falar um “amigo-computador”?
Este é um desafio surpreendentemente complexo e quase filosófico. A equipa está a debater-se para encontrar o tom e a personalidade certos para o assistente de IA. O objetivo é criar algo que se sinta como “um amigo que é um computador, mas que não é a tua namorada de IA estranha… como a Siri, mas melhor”, descreveu uma fonte.
O equilíbrio é delicado. O assistente não pode ser demasiado falador ou demorar muito tempo a terminar uma conversa. Também não pode ser nem demasiado subserviente (“sycophantic”), nem demasiado direto e frio. Encontrar esta voz, que seja útil sem ser irritante e presente sem ser intrusiva, é um dos maiores desafios de design de experiência do utilizador na era da IA.
O problema da energia: a fome de “computação” da IA
Este é, talvez, o obstáculo mais prático e difícil de superar. Os modelos de IA da OpenAI consomem uma quantidade colossal de poder de processamento, que depende de enormes e dispendiosos centros de dados. Uma fonte citada no relatório foi brutalmente honesta: “A Amazon tem a computação para uma Alexa, a Google também, mas a OpenAI está a lutar para ter computação suficiente para o ChatGPT, quanto mais para um dispositivo de IA – eles precisam de resolver isso primeiro”.
Isto coloca a equipa perante um dilema. Um dispositivo que dependa totalmente da nuvem seria mais barato de produzir, mas a OpenAI pode não ter ainda a infraestrutura global para suportar milhões de utilizadores em tempo real. Por outro lado, fazer mais processamento no próprio dispositivo exigiria um hardware muito mais potente e caro, o que iria contra o objetivo de criar um produto de consumo em massa.
O problema da privacidade: o pesadelo de um dispositivo “sempre a ouvir”
A característica mais inovadora do dispositivo – ser “sempre ativo” – é também o seu maior calcanhar de Aquiles. A ideia de um gadget com um microfone e uma câmara que está constantemente a recolher dados sobre o teu dia para construir uma “memória” é um pesadelo de privacidade à espera de acontecer.
Como é que esses dados serão armazenados? Quem terá acesso a eles? Como serão protegidos? Conquistar a confiança dos utilizadores para permitirem este nível de monitorização constante será, muito provavelmente, o maior desafio de todos, superando qualquer obstáculo técnico.
Embora uma fonte tenha afirmado que estes são problemas “típicos” do desenvolvimento de um novo produto, a sua natureza fundamental – personalidade, infraestrutura e privacidade – sugere que o revolucionário “anti-smartphone” que a OpenAI e Jony Ive nos prometeram pode ainda estar longe de se tornar uma realidade.
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