Morte do titular ou dados desactualizados, como o número de identificação de conta bancária (IBAN) ou número de contribuinte. Estas são as principais razões porque havia 1174 milhões euros (1,17 mil milhões de euros) de Certificados de Aforro (CA) e, em menor valor, de Certificados do Tesouro já prescritos ou em risco de prescrição no final de 2024. As aplicações nestes títulos de dívida pública ascendiam no final do ano passado a 44.486 milhões de euros.
Do bolo dos 1174 milhões euros, 77 milhões de euros estavam “retidos”, ou não pagos, e referem-se à série C, e a Certificados do Tesouro, produtos relativamente recentes, mas que já atingiram a maturidade.
Os dados são divulgados pelo Tribunal de Contas, no Parecer Sobre a Conta Geral do Estado de 2024, entregue esta quarta-feira no Parlamento, e onde são feitas várias recomendações à forma como será divulgado o processo de reconversão de títulos nominativos em escriturais (desmaterialização de títulos físicos), nomeadamente junto de aforradores mais idosos.
Refira-se que o prazo de prescrição dos títulos é de 10 anos para o capital e de cinco anos nos juros, à excepção das séries A e B em que, com as alterações de 2024, a prescrição ocorre ao final de 20 anos após o óbito ou em 2049 (20 anos após a amortização pelo IGCP, em caso de não conversão dos títulos).
“A longevidade dos produtos de aforro e o facto de nas séries mais antigas (A e B) os títulos serem físicos, nominativos e perpétuos, aliado às normas de subscrição menos exigentes quanto aos dados pessoais, permitiram que, ao longo de décadas, fossem mantidas contas aforro com poucos dados pessoais, dificultando ou inviabilizando a identificação dos titulares”, destaca o TC. Acrescentando que, “nas subscrições mais recentes, mesmo com dados pessoais completos, o encerramento da conta bancária indicada, sem actualização do IBAN junto do IGCP, tem inviabilizado os pagamentos dos juros e do capital”.
Daí resulta que os valores que o IGCP, a agência que gere a dívida pública, não consegue entregar às famílias acabem por prescrever, levando à entrega dos valores ao Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP).
Riscos na reconversão da série A, B e D
O TC destaca que “o arrastamento, nas duas últimas décadas, das situações identificadas conduziu ao aumento dos saldos à guarda do IGCP (abrangendo um longo intervalo temporal – 2005 a 2024), à manutenção no stock da dívida de títulos eventualmente prescritos (por falta de informação) e outros em risco de prescrição”.
Daquele universo estavam identificados no final de 2024, 603 milhões de euros relativos a instrumentos pertencentes a 16.782 titulares (falecidos ou com outros saldos à guarda do IGCP, imobilizados ou à ordem); 494 milhões referentes a 56.759 contas sem informação cruzável com o Instituto do Registo e do Notariado, e ainda 77 milhões de euros à guarda do IGCP (47 milhões em contas imobilizadas e 30 milhões à ordem), pertencentes a 6710 titulares.
O TC examinou ainda as regras do processo de conversão dos títulos dos Certificados de Aforro (de títulos físicos, nominativos) para escriturais (registados em conta-aforro, aberta para o efeito), que arrancará em Janeiro de 2026 e se prolongará até 29 de Novembro de 2029, e vê vários riscos neste processo. Nomeadamente que, “sem a flexibilização de alguns aspectos e uma estratégia de comunicação capaz de chegar às pessoas”, este processo “pode significar o resgate automático dos títulos das séries A e B, deixando de contar juros a partir desta data”, apesar de estes serem perpétuos. Este risco acontece mesmo para quem tem conta-aforro actualizada.
Refira-se que as duas séries antigas, a primeira iniciada em 1960, garantem, actualmente, taxas de rentabilidade elevadas.
Apelo a maior informação
Destaca o tribunal que, “sem a flexibilização de algumas regras e uma estratégia de comunicação eficaz, o processo de conversão dos CA pode implicar perda de juros pelas famílias”, tendo em conta que “não está prevista qualquer notificação do IGCP sobre os procedimentos obrigatórios”.
Por outro lado, destaca, “as regras para a conversão não distinguem os titulares com contas actualizadas dos restantes, o que penaliza quem mantém a informação em conformidade e já tem os títulos na forma escritural e integrados nos respectivos extractos”, uma vez que, “ainda assim, estão obrigados a deslocarem-se aos CTT para converter títulos e obterem extractos da conta iguais aos que já dispõem, tornando o processo burocrático para todas as partes”.
Por outro lado, “ainda que os cidadãos não possam invocar o desconhecimento da lei, há o risco de a divulgação não se mostrar adequada a investidores com contas de aforro mais antigas, que serão surpreendidos com o resgate automático dos títulos, sobretudo se atendermos à estabilidade destes títulos desde há muitos anos e ao facto de que muitos destes titulares possam ser pessoas idosas ou com baixa literacia financeira”.
E ainda que “a eliminação da figura do movimentador impede que seja este a assegurar a conversão dos títulos, o que pode traduzir-se numa dificuldade acrescida para todos aqueles que não puderem efectuar a conversão, designadamente os mais idosos ou os não residentes em Portugal, que terão de passar uma procuração com poderes específicos para essa finalidade”.
Em contraditório, o IGCP deu a conhecer um conjunto de iniciativas comunicacionais recentes, designadamente o novo plano de comunicação para a actualização dos dados pessoais (de Maio de 2025), que inclui a acção multicanal envolvendo websites institucionais, imprensa e redes sociais (de Julho de 2025), bem como campanhas nas 569 Lojas CTT, com a publicação de um cartaz alusivo ao tema e sensibilização para o papel proactivo dos operadores de balcão (em curso).
Contudo, refere o relatório, essas comunicações devem ser reforçadas fora dos canais digitais, nomeadamente junto dos titulares mais idosos ou menos familiarizados com as novas tecnologias, e com uma linguagem natural, mais acessíveis a pessoas com baixa literacia financeira.
O TC deixa ainda uma recomendação ao Ministro das Finanças, para que assegure que o IGCP evidencie os saldos dos Certificados de Aforro e do Tesouro, vencidos e não pagos do próprio ano e de anos anteriores, nos Mapas da Conta Geral do Estado relativos aos “encargos de amortizações” e aos “encargos de juros”, até ao seu pagamento aos titulares ou prescrição a favor do FRDP.