Um estudo divulgado pela Revista Brasileira de Epidemiologia apontou que o consumo abusivo de álcool entre mulheres brasileiras mais que dobrou entre 2006 e 2023, saltando de 7,7% para 15,2%. A pesquisa foi conduzida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com a ACT Promoção da Saúde e o Ministério da Saúde.

Foram analisados dados do Vigitel, inquérito telefônico nacional que acompanha fatores de risco e proteção para Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) em adultos nas capitais brasileiras. Ao todo, foram avaliadas mais de 800 mil entrevistas no período.

Embora o consumo entre os homens tenha permanecido relativamente estável, em torno de 25%, o avanço entre as mulheres chama a atenção. Paralelamente, o levantamento mostra uma queda do tabagismo e um aumento nos índices de excesso de peso e obesidade, tanto em homens quanto em mulheres. Entre elas, a obesidade passou de 38,5% para 59,6%, enquanto, entre eles, subiu de 47,6% para 63,4%.

A pesquisa também identificou mudanças positivas e negativas no comportamento feminino. De um lado, a prática de atividade física no lazer cresceu de 22,1% para 36,2%. De outro, a alimentação saudável piorou, com queda no consumo regular de feijão de 61% para 54,1% e baixo consumo de frutas e hortaliças, que permaneceu em torno de 20%.

Para a pesquisadora Deborah Carvalho Malta, o cenário revela uma complexidade crescente no perfil epidemiológico das mulheres brasileiras, que combinam comportamentos protetores com riscos ampliados. “Tal cenário reforça a necessidade de estratégias de saúde pública que considerem as especificidades de gênero, não apenas na identificação de riscos, mas também na formulação de ações preventivas e educativas que dialoguem com os contextos sociais e culturais das mulheres”, afirmou.

Por que elas bebem mais?

Um estudo da Agência Brasileira de Saúde, em 2019, aponta uma soma de fatores para explicar o aumento do consumo de álcool entre mulheres. Mudanças nos papéis sociais, como maior inserção no mercado de trabalho e acúmulo de responsabilidades domésticas, criaram novas pressões emocionais. Essa rotina, somada ao machismo estrutural e à dupla jornada, pode estimular o uso da bebida como uma forma de aliviar o estresse.

Além disso, a pressão social e o marketing direcionado reforçam o fenômeno. Campanhas publicitárias associam o consumo de álcool a momentos de descontração, sucesso e pertencimento social, incentivando o hábito. Fatores psicológicos, como ansiedade, depressão e traumas, também aparecem como gatilhos para o consumo.

A diferença de gênero também se manifesta no tipo de motivação para beber. Pesquisas mostram que homens tendem a beber por influência social, enquanto mulheres buscam a bebida por razões emocionais. Essa distinção impacta diretamente o tratamento da dependência, já que mulheres com histórico de violência sexual ou traumas podem encontrar mais segurança em grupos terapêuticos exclusivamente femininos, onde há identificação e menor risco de constrangimento.

Efeitos no corpo e no cérebro

O consumo de álcool impacta homens e mulheres de maneiras distintas. Estudos conduzidos por Marlene Oscar-Berman, da Universidade de Boston, demonstraram diferenças no funcionamento do cérebro de pessoas com histórico de alcoolismo.

Nos homens dependentes, os centros de recompensa cerebrais, ligados à motivação e à tomada de decisão, são menores do que em não alcoólatras. Já nas mulheres com dependência, esses centros eram maiores do que os das que não bebiam, sugerindo danos menos severos que nos homens, embora as implicações clínicas ainda estejam em estudo.

Pesquisadores reforçam que, por conta dessas diferenças biológicas e emocionais, políticas públicas e tratamentos devem ser adaptados ao gênero, garantindo maior efetividade na prevenção e na reabilitação.

Para enfrentar o avanço do consumo de álcool, Deborah Carvalho Malta afirma que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda ações específicas, como controle de marketing, restrição de horários e pontos de venda, proibição da venda para menores, fiscalização de eventos com “open bar” e incentivo à oferta gratuita de água em estabelecimentos.

“É muito importante avançarmos nesta medida, e o aumento do consumo entre as mulheres acende uma luz amarela”, alertou Malta.

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