O escritor húngaro László Krasznahorkai é o vencedor do Prémio Nobel da Literatura 2025, distinguindo uma “obra convincente e visionária que, no meio do terror apocalíptico, reafirma o poder da arte” anunciou a Academia Sueca ao final da manhã desta quinta-feira, em Estocolmo, numa conferência de imprensa, como habitualmente, transmitida online. Sucede à sul-coreana Han Kang, que venceu no ano passado.
Autor de romances densos e de frases longas e labirínticas, Krasznahorkai é considerado um dos mais exigentes e influentes escritores europeus contemporâneos e era o claro favorito nas casas de apostas este ano. A sua prosa, marcada por um pessimismo metafísico e pela busca incessante de sentido, tornou-o uma referência para leitores e críticos em todo o mundo.
O Tango de Satanás (1985), a obra de estreia de László Krasznahorkai, foi adaptada ao cinema por Béla Tarr, em 1994, dando origem ao filme de culto homónimo (com o realizador e argumentista escreveu também As Harmonias de Werckmeister e O Cavalo de Turim). Em Portugal, o livro foi publicado pela Antígona em 2018 — e era, até então a única obra publicada do autor. O romance Herscht 07769, originalmente publicado 2021, chega às livrarias portugueses no próximo dia 13 de outubro pela mão da editora Cavalo de Ferro. É uma “sátira devastadora sobre o mundo e a política de hoje”, lê-se na breve sinopse da editora. A propósito desse lançamento, o escritor estará presente no Festival literário Fólio, em Óbidos, no dia 19.
▲ Capa do livro “Herscht 07769”, de László Krasznahorkai. A edição portuguesa é publicada a 13 de outubro pela Cavalo de Ferro
Além de romances — Az ellenállás melankóliája [Melancolia da Resistência] (1989) ou Háború és háború [Guerra e Guerra] (1991) —, escreveu ensaios e guiões de cinema. Aliás, é conhecida a sua profícua colaboração com Béla Tarr, seja em adaptações (O Tango de Satanás e As Harmonias de Werckmeister) ou no argumento original d’O Cavalo de Turim (2011).
László Krasznahorkai (Gyula, 1954) estudou Direito e Literatura em Budapeste, e foi editor na década de 80 antes de se dedicar exclusivamente à escrita. Susan Sontag chamou-lhe “mestre húngaro do Apocalipse”. Antes do Nobel, foi distinguido com inúmeros prémios literários, nos quais se incluem o America Award in Literature em 2014, o Man Booker International Prize em 2015, o Prémio Kossuth, o National Book Award for Translated Literature em 2019, o Austrian State Prize em 2022 e o Prix Formentor em 2024.
Embora mantenha uma casa na Hungria, o escritor vive há vários anos num exílio autoimposto entre Berlim e Trieste, e não esconde o seu desdém pelas políticas do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. “Este regime húngaro é um caso psiquiátrico”, disse numa entrevista à Yale Review, em fevereiro, sobre o facto de Orbán não ter condenado Vlamidir Putin.
“A Hungria é um país vizinho da Ucrânia, e o regime de Orbán está a assumir uma postura sem precedentes — quase sem paralelo na história húngara. Como pode um país ser neutro quando os russos invadem um país vizinho?”, afirmou. “Eles não têm matado ucranianos há quase três anos? O que significa ‘Isto é um assunto interno eslavo’?! — como afirma o primeiro-ministro húngaro?! Como pode ser um assunto interno quando pessoas estão a ser mortas? E é o líder de um país que diz isso — um país que foi constantemente invadido ao longo da história. Entre outros, pelos russos. E esses russos são os mesmos russos. Este regime húngaro é um caso psiquiátrico.”
László Krasznahorkai: a literatura para o Apocalipse está entre nós
A literatura de Krasznahorkai é atravessada por uma visão sombria da condição humana — “O homem é um monstro”, escreveu. Longe de aceitar o rótulo de retrato da “alma magiar”, Krasznahorkai sempre se afirmou devedor de uma constelação literária universal, onde se incluem Kafka, Beckett, Thomas Bernhard, Witold Gombrowicz, Gogol e, sobretudo, Melville, a quem Sontag o comparou.
Foi, aliás, a ensaísta norte-americana que o descreveu como “o mais importante escritor vivo”, sublinhando a sua capacidade de unir o trágico e o cómico num mesmo movimento, onde a degradação humana convive com momentos de sublime revelação. Por seu lado, o escritor alemão W. G. Sebald destacou nele a universalidade e a profundidade filosófica de uma obra que ultrapassa as fronteiras nacionais.
A escrita de Krasznahorkai estende-se também ao campo das artes plásticas. O romance Guerra e Guerra (que será publicado pela Cavalo de Ferro em 2026) inspirou o escultor italiano Mario Merz a erguer um iglu concebido como sepultura ficcional do protagonista da obra.
A queda do Muro, em 1989, marcou o início de uma fase de viagens sucessivas e longas estadias na Ásia durante a década de 1990, mas também em Nova Iorque, tendo vivido na casa de Allen Ginsberg. Entre a China, o Japão e a Mongólia, encontrou aquilo a que chamou “a dimensão espiritual que falta à modernidade europeia”. Essa deslocação coincidiu com uma transformação profunda na sua escrita: de um apocalipse social e político para uma reflexão mais mística e estética.
Viveu entre a Alemanha e a Itália, mantendo o seu carácter nómada e afirmando não pertencer a país algum, enquanto se afasta de uma Hungria cada vez mais moldada pela política de Viktor Orbán. Depois de se divorciar da sua primeira esposa, Anikó Pelyhe, com quem se casou em 1990, casou-se com a sua segunda esposa, Dóra Kopcsányi, sinologista e designer gráfica, em 1997, com quem tem três filhos.
▲ Livros de László Krasznahorkai expostos Academia Sueca, em Oslo, no dia do anúncio do Nobel da Literatura
AFP via Getty Images
Entre romances, coletâneas de contos, ensaios e obras de não-ficção, Krasznahorkai construiu uma literatura onde a crítica social e política surge tanto de forma implícita como explícita, sobretudo em contextos de regimes autoritários, ideologias falhadas e transformações caóticas. Essa dimensão é já visível no seu primeiro romance, O Tango de Satanás, passado numa zona rural isolada da planície húngara, onde uma pequena comunidade, abandonada e desesperançada, enfrenta o regresso de Irimiás – um homem outrora dado como morto que surge como um falso messias, pronto tanto para dividir como para conquistar.
O mesmo se repete noutras obras, muitas delas centradas na vivência da Europa Central marcada pela herança comunista, mas sempre permeadas por elementos de fantasia, delírio e terror metafísico. Não sendo um autor de leitura fácil, Krasznahorkai rejeita as convenções narrativas lineares e as divisões tradicionais em capítulos. É, antes de tudo, um escritor da fragmentação, que constrói na sua prosa uma experiência total, simultaneamente literária, filosófica e espiritual.
À rádio Observador, o editor de László Krasznahorkai em Portugal (na Cavalo de Ferro), Diogo Madredeus, confessou que, apesar de o nome do escritor figurar entres os favortios antes do anúncio, ganhar o Nobel “é sempre uma surpresa”: “Um prémio destes nunca é certo, são nomes muito importantes e relevantes”.
Sobre a decisão, que classificou como “justa”, Madredeus considerou que trata de uma “escolha sem concessões, um prémio dado à arte da literatura a um dos grandes inovadores, neste momento, da arte e da forma literária do romance”. “László Krasznahorkai pensa a forma do romance, propõe uma nova forma de escrever e de ler, é um autor exigente, mas também é um autor muito gratificante. Como leitor, acho-o próximo de Kafka, encontramos nos romances dele a mesma atmosfera opressiva, absurda, aquela sensação de fatalidade, o tal tom apocalíptico visionário que a Academia notou”, afirmou o editor da Cavalo de Ferro.
No próximo dia 13 de outubro é publicado Herscht 07769, o segundo título a reeceber tradução portuguesa. Diogo Madredeus disse tratar-se de um livro “que toca muitos temas atuais”: “Neste romance, Krasznahorkai toca o extremismo político, o populismo, o colapso ecológico. E é uma súmula daquilo que ele tem escrito ao longo dos anos. É um escritor pessimista, mas esta é uma das suas obras mais divertidas, recebida muito entusiasticamente pela crítica internacional. É uma sátira quase profética, fala sobre um grupo de pessoas que vive numa pequena localidade alemã em torno de um líder nazi e, ao mesmo tempo, em torno de Bach. Tem um lado quase cómico sobre o estado do mundo.”
O editor de Krasznahorkai no nosso país lembrou que o húngaro “tem uma vasta obra publicada, mas não em Portugal, esperamos que isso possa mudar”. “As nossas traduções são feitas através do original húngaro, o que faz com que demorem mais tempo a ser publicadas. Está em produção um título mais antigo, que chegará ao mercado no início do próximo ano, que se chama Guerra e Guerra”, confirmou.
O Nobel da Literatura é um prémio concedido anualmente, desde 1901, pela Academia Sueca a autores que fizeram notáveis contribuições ao campo da literatura. De acordo com Alfred Nobel, que criou o galardão, este deve ser entregue a um autor de qualquer nacionalidade que tenha “produzido o mais extraordinário trabalho de forma idealista” no campo da literatura. O prémio já foi entregue a 122 pessoas: 104 homens e 18 mulheres. Tem um valor pecuniário de 11 milhões de coroas suecas, perto de 950 mil euros, e é habitualmente entregue pelo rei da Suécia a 10 de dezembro — Dia do Nobel — na Sala de Concertos de Estocolmo. Portugal tem apenas um prémio Nobel da Literatura: José Saramago, em 1998.