Em 1983, num sábado, comprei um livro das mãos do dramaturgo Plínio Marcos no Centro Cultural São Paulo, no bairro do Paraíso. Estava ali para ver um show, acho que do grupo Premeditando o Breque. O título da obra era Madame Blavatsky, peça teatral que conta a vida da mística russa Helena Blavatsky, cujas ideias misturavam filosofia hindu, ciência e esoterismo.
Não lembro quanto paguei por ele, mas foi bem barato. Tratava-se de uma edição de bolso, com capa verde e papel de má qualidade, produzida pelo próprio Plínio. Anos mais tarde, dei de presente para uma namorada. A peça seria montada pelo diretor Jorge Takla em 1985. Foi um grande sucesso. Recentemente, inspirou o monólogo “Madame Blavatsky – Amores Ocultos”, com a atriz Mel Lisboa.
O dramaturgo, que completaria 90 anos em setembro, se definia como um “camelô da literatura”. Até meados da década de 1980, perseguido pela ditadura, podia ser visto em portas de cinemas, teatros, restaurantes, como o Gigetto e o Piolin, casas de espetáculos e locais de aglomeração de jovens, como a praça Roosevelt, vendendo seus livros, humildemente, para quem quisesse comprar.
Já era um autor consagrado há décadas por peças como “Barrela”, “Navalha na Carne” e “Dois Perdidos numa Noite Suja”, mas dependia do trabalho nas ruas. Era considerado pornográfico e subversivo e se tornou um alvo preferencial da censura durante o regime militar.
Foi detido e preso várias vezes e viu as portas se fecharem para qualquer emprego. Era também jornalista e ator. Atuou na novela “Beto Rockfeller”, por exemplo.
No site oficial de Plínio há declarações que expõem sua situação de penúria. “Eu era proibido em todos os ofícios que tinha –cronista esportivo, cronista de carnaval, trabalhar na televisão. Mas batalhei e voltei às minhas origens. Camelô, vender meus livros na rua para sobreviver”, disse.
“Sou um camelô da literatura. Hoje (1986) posso dizer que é muito difícil ainda. É difícil ter espaço nos jornais, encontrar lugar para vender livro. Cheguei a ser expulso de vários lugares. É uma brutalidade única.”
Plínio fazia seu trabalho com dignidade. Ganhava seu pão sem se envergonhar e via sua atividade como uma forma de resistência. Lembro bem de sua altivez e desenvoltura. “Não tem tu, vai tu mesmo. Era assim. Eu ia vendendo meus livros (…). Um pouco aqui, um pouco ali. Batendo papo, contando histórias e faturando uma grana. Sabe, não é fácil vender livros em terra de analfabeto com fome”, afirmou.
Quem comprava um de seus livros em algum ponto da cidade reconhecia que aquilo era uma forma de resistir à opressão. Muitos sabiam de sua condição de homem implacavelmente perseguido. Além disso, era um excelente vendedor. Dava autógrafos e estava sempre disposto a conversar com seus clientes. Falava de política, da obra que estava vendendo e sentia prazer em trocar ideias e debater.
“Era uma parada dura. Mas eu não me acanhava. Não me queixava. Conheço bem a lei do choque do retorno: Quem planta vento colhe tempestade. E eu incomodava mesmo. Era perseguido, mas fiz por merecer. Eu encarava todas do jeito que viessem. Às vezes, apareciam uns e outros querendo me humilhar. Era péssima viagem. Eu pegava bem. Dava duro”, disse.
Plínio foi um herói brasileiro, um gênio da raça. Nunca se vitimizou e nem perdeu o humor e a ironia. Morreu em 1999, aos 64 anos, deixando uma obra grandiosa. “Eu sou um escritor imortal, não da Academia Brasileira de Letras, mas porque não tenho onde cair morto”, afirmou certa vez.
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