Fachada da escadaria do palácio Tachara no sítio arqueológico de Persépolis, Irão.
Persépolis já sofreu “danos irreversíveis”. Não é um fenómeno exclusivo ao Irão, mas a escala é outra, e põe vários locais históricos em risco.
As colunas e escadarias de pedra esculpida do terraço de Persépolis, a capital cerimonial do antigo Império Persa (c. 550 a.C.–330 a.C.), sobreviveram durante 2500 anos, mas agora, o solo em redor do local classificado como Património Mundial pela UNESCO está a afundar-se.
O terraço foi construído sobre rocha sólida. Algumas partes podem mover-se apenas alguns milímetros. Mas as planícies suavemente inclinadas que rodeiam as frágeis estruturas antigas de pedra formaram-se com sedimentos depositados pela água corrente. E agora estão a afundar-se dezenas de centímetros por ano.
O solo da planície de Marvdasht, no Irão, começou a fragmentar-se, e as fendas estão a aumentar. Fica a menos de meio quilómetro do terraço e a até dez metros de outro local histórico, Naqsh-e Rostam.
“Existem fissuras na terra, nas imediações de Persépolis e de Naqsh-e Rostam, que podem ser atribuídas ao grau de subsidência do terreno” — a diferença na velocidade a que o solo está a afundar — explica Mahmud Haghshenas Haghighi, do Instituto de Fotogrametria e Geoinformação da Universidade Leibniz, na Alemanha.
“Em relação a Persépolis, li notícias na imprensa sobre fendas e outros sinais de danos. Mas, sem um estudo abrangente, não podemos atribuí-los diretamente ao grau de subsidência. O terraço encontra-se numa formação geológica relativamente estável, no sopé da montanha”, descreve.
“Joia” da primeira superpotência do mundo
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura classificou Persépolis como Património Mundial em 1979. As suas “ruínas magníficas” estão “entre os maiores sítios arqueológicos do mundo”, segundo a UNESCO.
“Conhecida como a joia do conjunto aqueménida [persa] nos domínios da agricultura, do planeamento urbano, da tecnologia de construção e da arte, a cidade real de Persépolis é um sítio arqueológico sem equivalente e representa um testemunho único de uma das mais antigas civilizações.”
Essa civilização viria a tornar-se o Império Persa, frequentemente descrito como a primeira superpotência do mundo. No seu auge, abrangia uma vasta área que se estendia desde a Líbia, a oeste, até à Índia, a leste.
Muitos dos outros 28 locais iranianos classificados como Património Mundial situam-se também em zonas onde o solo está a afundar-se. Incluem Pasárgada, a capital original do Império Persa, e a cidade histórica de Iazde. As autoridades alertam para os riscos de subsidência em Isfahan, igualmente Património Mundial da UNESCO. As suas pontes e mesquitas encontram-se junto a áreas de afundamento.
E a Ferrovia Transiraniana, com 1.394 km de extensão, atravessa várias bacias que estão a afundar-se, o que pode causar distorções nos carris. A linha foi classificada como Património Mundial em 2021.
Corrida contra o tempo
A subsidência do solo é um processo lento, e a sua deteção pode ser difícil até surgirem fissuras nas paredes e nas fundações. Os investigadores utilizam radar e comparam imagens ao longo do tempo.
“Esta tecnologia mede alterações muito subtis na superfície da Terra, de apenas alguns milímetros”, explica o professor Mahdi Motagh, do Centro de Geociências GFZ Helmholtz da Universidade Leibniz.
A sua equipa observou diferenças preocupantes na profundidade da subsidência em Persépolis, Naqsh-e Rostam e em locais próximos. Elementos escavados diretamente no calcário, como em Naqsh-e Rostam, permanecem, por agora, estáveis, mas a planície vizinha está a afundar-se rapidamente.
“Na fronteira entre o local histórico rochoso e a planície, observamos um forte gradiente no campo de deslocamento, o que causa grandes fendas e fissuras na terra”, explica o professor.
“Danos irreversíveis já ocorreram em alguns locais. Observámos uma fenda que atravessa diretamente o Cubo de Zoroastro [em Naqsh-e Rostam] e que o danificou.”
Apenas avaliações detalhadas no terreno poderão revelar quando outros locais serão afetados, explica Motagh. Mas “isso, inevitavelmente, acontecerá um dia”, avisa.
Águas subterrâneas esgotadas
“A principal causa da subsidência do terreno no Irão é a extração excessiva e insustentável das águas subterrâneas, que provoca o afundamento do solo e o avanço da desertificação”, explica Motagh.
Quando a água é bombeada em excesso das camadas subterrâneas — conhecidas como aquíferos —, o solo comprime-se e a superfície afunda-se, por vezes de forma permanente.
A seca e o aquecimento climático agravam o problema, pois menos água retorna ao subsolo. E o Irão é um dos países que mais rapidamente estão a perder os seus aquíferos.
O país consome há décadas mais água do que a natureza repõe. Primeiro esgotou rios e albufeiras, depois recorreu às reservas subterrâneas.
Os aquíferos iranianos são fortemente explorados desde a década de 1970. Estima-se que mais de 70% das suas reservas estejam já esgotadas.
“Diversos estudos revistos por pares demonstram que o Irão é um dos maiores consumidores de água subterrânea do mundo”, afirma Andrew Pearson, do Centro Internacional de Avaliação dos Recursos Aquíferos (IGRAC, na sigla em inglês).
“Cerca de 90% da água utilizada no Irão destina-se à agricultura”, explica, “e a extração excessiva, agravada pela seca, é a principal causa do esgotamento.”
Impactos muito além dos locais históricos
Uma análise nacional recente concluiu que cerca de 56 mil quilómetros quadrados de terras iranianas sofrem subsidência mensurável — o equivalente a 3,5% do país.
Algumas zonas da capital, Teerão, afundam-se cerca de 25 centímetros por ano há várias décadas. Em Rafsanjan (no sudeste do país, conhecida pelas suas extensas plantações de pistácio), estima-se que sejam extraídos dos aquíferos cerca de 300 milhões de metros cúbicos de água por ano, devido à sobre-exploração.
E, à medida que o solo afunda, estradas, canais e tubagens inclinam-se e deformam-se, gerando graves problemas de infraestrutura.
O Irão não é o único
As dificuldades enfrentadas pelo Irão são sérias, mas não exclusivas.
A Cidade do México, Jacarta (Indonésia) e o Vale Central da Califórnia (EUA) já registaram, em certos períodos, afundamentos de até 100 mm por ano. O que distingue o caso iraniano é a profundidade e a escala do fenómeno, além da quantidade de locais históricos em risco.
“Devido ao contexto geológico, a subsidência no Irão é frequentemente acompanhada de fissuras e ruturas na superfície, que podem estender-se por quilómetros e atingir vários metros de profundidade, com consequências graves para as estruturas e infraestruturas”, afirma o professor Pietro Teatini, da Universidade de Pádua, em Itália.
Muitos outros países do Médio Oriente e do Norte de África — nomeadamente o Egito, a Arábia Saudita, Israel e os Territórios Palestinianos Ocupados — enfrentam problemas semelhantes. A região é uma das mais afetadas pelo stress hídrico a nível mundial.
A UNESCO tem organizado seminários técnicos e reuniões com representantes governamentais em países como a Indonésia e o Vietname. Há também iniciativas em fase de planeamento nas Filipinas, mas as circunstâncias políticas limitam a realização de trabalhos semelhantes no Irão.
Gestão dos recursos hídricos
Um porta-voz da UNESCO disse à BBC News que as lições aprendidas em Espanha, no México, na China e na Indonésia demonstram que a subsidência, uma vez iniciada, é praticamente irreversível. Por isso, a gestão sustentável das águas subterrâneas é essencial em regiões áridas como o Irão.
Os especialistas concordam quanto à necessidade de uma gestão integrada dos recursos aquíferos, mas alertam para os obstáculos sociais e políticos. Em regiões dependentes da agricultura, cortes abruptos podem ter consequências severas.
“É preciso combinar a geociência com a engenharia e a preservação do património histórico”, afirma Motagh. “Mas não é fácil, e alcançar uma cooperação significativa com as instituições iranianas continua a ser particularmente difícil.”
O Irão comprometeu-se a reduzir o consumo nacional de água em 45 mil milhões de metros cúbicos por ano, ao longo de sete anos, através do reaproveitamento, da irrigação gota a gota e da melhoria do abastecimento. Mas esses objetivos ambiciosos são travados pelas sanções internacionais, pela burocracia e pela falta de investimento.
Em agosto, a BBC contactou o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irão, o consulado e a embaixada do país em Londres, pedindo comentários sobre os planos de gestão dos recursos hídricos iranianos. Não obteve resposta.
As medidas adotadas noutras partes do mundo para enfrentar a subsidência poderão servir de exemplo ao Irão sobre como conservar a água e o seu património histórico.
Na década de 1980, partes da capital tailandesa, Banguecoque, afundavam-se cerca de 120 mm por ano. Mas, depois de o governo introduzir limites de bombeamento, tarifas e monitorização, os níveis dos aquíferos subiram e a subsidência reduziu-se para 10–20 mm por ano, ou menos, em muitas regiões durante os anos 2000. “Não é uma mudança mágica, mas demonstra que a política funciona”, conclui Andrew Pearson.