A história que, a princípio foi bem assustadora, teve um final feliz, menos para o gatuno. O fotógrafo Antônio Gaudério, que em 2002 trabalhava na Folha de S.Paulo, teve o equipamento roubado em Guaianases, distrito localizado na Zona Leste de São Paulo.
A câmera, uma Canon EOS 1D, pertencia à Folha. Ao invés de fazer um Boletim de Ocorrência e ir embora para casa, ele optou por resolver o problema. Com artimanha, um tanto de sorte e sem machucar ninguém, ele conseguiu. Veja o relato, feito pelo próprio fotógrafo em sua conta do Instagram nesta terça-feira (7), abaixo:
2002, Guaianazes, SP. Um rapaz com um 38 encosta no carro e fala baixinho:
-Aí mano, fica frio. É um assalto. Passa a câmera.
O equipamento era todo da Folha, eu podia fazer um B.O. e ir para casa. Mas eu não suportava a ideia de perder a câmera. Era a primeira câmera digital comparável a de filme. Canon EOS 1D. 8 disparos por segundo. Uma das únicas 5 que existiam no Brasil. Eu sabia que a Folha não me daria outra. Porque não tinha outra. Porque custa 5mil dólares. Porque um repórter fotográfico não pode ser assaltado. Não pode ficar dando mole numa quebrada dessas. A câmera, pro fotógrafo, não é um objeto. É parte da visão, do corpo. Com a câmera ele combate injustiças, ajuda amenizar o sofrimento de inocentes. Enfrenta o poder, denuncia. O fotógrafo atrás da câmera tem o poder da invisibilidade. Pode ir até o inferno. Sem ela, nem sei direito quem sou. Fui atrás de recuperar:
1. Tentei negociar com o chefe do tráfico local. Era melhor ele prender o equipamento e devolver, antes que a direção do Jornal falasse com o secretário de segurança e ordenasse o fechamento das bocas, até encontrar. O chefe da boca pediu 24h pra fazer uma diligência. Resultado: Os ladrões não eram da área de jurisdição dele.
2.Não bloqueei o celular. Depois pedi a relação de ligações na Telesp. Resultado: Até hoje não saiu.
3. Anunciei numa rádio pirata do local do assalto oferecendo recompensa para quem encontrasse os documentos perdidos. Quem entregasse poderia saber onde estava o equipamento. Resultado: Na favela ninguém ouve, ninguém vê, ninguém fala.
4.Fui à Feira do Rolo de S. Matheus onde tranqueiras e objetos roubados na ZL são vendidos. Resultado: comprei uma Kodak Istamatic 54X, igual a que eu comecei a fotografar quando tinha 15 anos.
5.Através de um amigo contactei o chefão do PCC. Resultado: De dentro da cadeia, no celular, o chefão do 1533 disse que demorei muito pra falar com ele. “Agora fica difícil. Nesse valor, pode tá na Colômbia”
6. Anunciei no jornal Primeira-mão. “VENDO CARREGADOR PRA CÂMERA DIGITAL”. Ela tinha ido sem o carregador.
Dia 16/10 estava fazendo um novo RG quando o celular tocou:
-Você compra equipamento profissional?
-Compro. Qual?
-Uma Canon 1D. (É a minha)
-Como eu faço para ver?
-Me dá teu endereço que eu levo aí.
Essa aventura só foi levada a cabo porque outros 2 malucos também acreditaram na possibilidade de encontrar uma câmera roubada numa cidade de 15 milhões de habitantes: O Marcão, nascido e criado na ZL, que quando passa na boca do lixo, todos o chamam pelo nome; O outro é o Caio. Nasceu e se criou em Alphaville, dono de outra das 5 canon EOS 1D existentes no Brasil, às vezes vai trabalhar de helicóptero.
O local para receber o cidadão com a câmera foi a casa do Marcão.
Decidimos que meus amigos verificariam o número de série da câmera e depois me ligariam dizendo: “depositou o dinheiro?” Era o código pra confirmar que era a minha.
Quando eu estivesse com a polícia ligaria de volta dizendo: “O dinheiro tá depositado”
Fiquei disfarçando numa banca. 10min depois do horário combinado recebi o telefonema:
-E aí, depositou o dinheiro?
-Sério?! Não. Aguenta aí que tô indo ao banco.
Encontrei uma “barca” civil com 2 policiais. Contei a história rapidamente e fomos:
-O dinheiro tá depositado.
Desceram os 3. Meus dois amigos com cara de ladrão e o ladrão com cara de amigo.
Os policiais, cada um com uma pistola na mão, gritaram:
-Mão na cabeça. De quem é essa câmera?
-É dele aí -Disse o vendedor.
-Minha não! -Disse o Caio.
-Algema os 2 -Disse o policial sem saber quem era quem.
Eu deixei que algemasse por 2 motivos:
1º para que o ladrão não percebesse que tinha caído numa cilada e porque achei que seria uma experiência enriquecedora para meu amigo que cresceu brincando nos jardins das mansões.
A canon EOS 1D nº 0666 foi e voltou sem que ninguém se machucasse.
Depois de 5 horas lavrando flagrante, fui para a Folha com o equipamento. A Gerência Administrativa não ficou muito contente porque teve que comprar um cartão de memória que custa 500 dólares. Minha mulher ficou com medo do dia que o ladrão for solto. O Marcão acha que a gente devia ter feito de um jeito que o panga não fosse preso. O pai do Caio ficou bravo por ele ter se envolvido com bandidos (eu e o Marcão). E eu… Perdi de ganhar uma câmera mais moderna no ano seguinte, porque ainda tinha essa.
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