Recensão do livro “Venham Mais Cinco”: O Olhar Estrangeiro sobre a Revolução Portuguesa 1974–1975.
A Revolução de Abril tem sido amplamente narrada por quem a viveu por dentro e por quem a estudou: historiadores, políticos, artistas, testemunhos orais, livros escolares. Mas há outras formas de ver e de nos vermos. O livro Venham Mais Cinco: O Olhar Estrangeiro sobre a Revolução Portuguesa 1974-1975 recorda-nos que a Revolução também foi profundamente observada a partir de fora. Um outro olhar – estrangeiro, atento, por vezes encantado, por vezes inquieto – acompanhou os meses decisivos entre abril de 1974 e novembro de 1975. É esse olhar que este livro recupera.
Ao reunir o trabalho de dezenas de fotógrafos estrangeiros – como Henri Bureau, Guy Le Querrec, Jean-Claude Francolon, Sebastião Salgado ou Alain Mingam –, o livro constrói uma narrativa visual densa e poderosa. As imagens não são meramente ilustrativas: participam no acontecimento, interpretam-no, criam leituras. Mostram um país em ebulição, um povo em reinvenção, uma democracia ainda por construir.
A obra organiza-se em quatro grandes blocos: A Festa da Liberdade, Novas Formas de Poder, Independências e Um País Dividido. Cada um capta uma atmosfera própria: da euforia inicial ao desencanto final, da esperança de transformação social à realidade dura do pós-colonialismo, passando pela experiência singular das novas formas de poder popular.
“Na primeira parte, vemos a Revolução como revelação. Tanques com cravos, multidões a abraçar soldados, os primeiros Primeiro de Maio em liberdade.” Foto da Exposição © Luís Filipe Catarino / Câmara Municipal de Almada.
Na primeira parte, vemos a Revolução como revelação. Tanques com cravos, multidões a abraçar soldados, os primeiros Primeiro de Maio em liberdade. É uma estética da esperança, captada com frescura e lirismo.
Depois, mergulhamos nas experiências de transformação: fábricas em autogestão, assembleias de bairro, campanhas culturais. A Revolução aparece aqui como um laboratório democrático, vivido no dia a dia, nos cartazes, nas ruas.
A terceira parte leva-nos para África: a descolonização é mostrada não como epílogo, mas como parte integrante da Revolução. As imagens captam libertação e dor, regresso forçado e reencontro, ambivalência e ruptura. Portugal cruza-se, aqui, com Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, e a fotografia torna-se arquivo transnacional.
Por fim, o livro mostra o país a fraturar-se. Barricadas, conflitos, o cerco à Assembleia Constituinte, o 25 de Novembro. A festa cede lugar à tensão. E o olhar estrangeiro começa a afastar-se. A Revolução termina. O país entra na normalização democrática.
Venham Mais Cinco é mais do que um livro de fotografia. Resultado da exposição homónima, organizada por Sérgio Tréfaut, com o patrocínio da Comissão Comemorativa 50 Anos 25 de Abril e da Câmara Municipal de Almada, é um exercício de memória crítica. Um documento que resgata imagens e lhes devolve o seu valor testemunhal. Um espelho do que fomos e de como fomos vistos.
O título, tirado de uma canção de Zeca Afonso, é também um apelo: que venham mais olhares, mais interpretações, mais revisitações. Que a liberdade continue a ser vista – e revista – por muitos ângulos. Porque só assim permanece viva.
Venham Mais Cinco: O Olhar Estrangeiro sobre a Revolução Portuguesa 1974-1975
Edição: Sérgio Tréfaut
Tinta-da-China, 2025
272 páginas, 69,90 €
Exposição
Foto da Exposição © Luís Filipe Catarino / Câmara Municipal de Almada.
Venham Mais Cinco – O olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa (1974-1975)
Exposição da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril
Curadoria: Sérgio Tréfaut
Até 24/8; de quinta a domingo, das 11h às 19h
Em frente à antiga Lisnave (Parque Empresarial da Mutela) • Almada
Maria Inácia Rezola é historiadora, autora e coordenadora de vários livros sobre a democracia portuguesa (entre os quais Igrejas e Ditaduras no Mundo Lusófono ou Melo Antunes, Uma Biografia Política). Preside à Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril.