Luís, o candidato mais novo, é o maior estudioso sobre o avô: fascinava-se desde adolescente a ler a sua correspondência com personalidades como Egas Moniz ou Afonso Costa, fez uma investigação minuciosa sobre a vida dele e publicou em livro um primeiro volume da biografia, que vai até 1926. Quando olha para a estátua imponente de Alberto Souto no jardim junto ao museu, pensa: “O culpado de tudo isto foi ele. Fomos criados num culto do que tinha sido o percurso dele”.

Quando o avô era presidente de câmara, escolhido pelo governador civil da época, recebeu um pedido da PIDE para dar informações sobre um habitante do concelho e recusou, invocando que nada na lei previa que desempenhasse essa função. O neto Luís recuperou precisamente a ideia da PIDE para se defender de um ataque surgido esta semana, relacionado com um escândalo da presidente da junta de freguesia de Aradas, recandidata nas suas listas, que se terá inscrito ilegalmente na ADSE para beneficiar de apoio financeiro numa cirurgia. O candidato da Aliança PSD/CDS/PPM manteve a confiança na candidata, disse que ela tinha devolvido as verbas e acusou os seus opositores na freguesia: “São pessoas que se calhar estavam bem no antigo regime, seriam agentes da PIDE ou coisa do género, porque só sabem fazer denúncias, denúncias, denúncias…”.

Depois da revolução de 1974, o jovem Luís acompanhou o pai nas primeiras campanhas do PPM no distrito. O facto de serem praticamente obrigados pelo pai a ver o Telejornal em silêncio levou-o a ficar rendido às intervenções de Sá Carneiro, fundador do PPD (e também aos discursos de Spínola, primeiro Presidente depois do 25 de abril). Foi assim que começaram a cavar-se as diferenças políticas face aos irmãos, que viriam a marcar todo o seu relacionamento ao longo do tempo.

“Alguns irmãos, muito inspirados pelo nosso Alberto, navegaram nas águas da esquerda. Eu era do centro esquerda para a direita”, frisa Luís Souto. “Tivemos sempre posições de um lado e do outro, mantendo debates políticos naturais. Mas acabámos sempre amigos, nunca tivemos um problema de relacionamento entre os irmãos. Temos os valores transmitidos pelos pais a todos, de respeito pela família e pela liberdade”.

Nas primeiras eleições em que o irmão Alberto se candidatou à Câmara como independente apoiado pelo PS, em 1997, Luís apoiou-o, sem reservas. Na eleição seguinte, Alberto aderiu ao PS e o irmão não achou bem: “Critiquei-o por se ter tornado militante do PS. Achei um passo errado.” E recusa dizer se manteve o apoio nas duas eleições seguintes: “O voto é secreto. Não consideramos que seja dever de família apoiar um de nós politicamente”.

Nunca esta última frase se tornou tão evidente como nestes últimos dias desta campanha autárquica de 2025. Alberto reconhece o embaraço para toda a família, mas não consegue elogiar uma medida ou momento da campanha do irmão. “Vou dar uma resposta à político. Tem uma boa proposta no programa, mas é minha: transformar o quartel da GNR para habitação. Podia ter dito: ‘É uma ideia do meu irmão e é boa.’ Mas não se portou bem.”

Diz que na substância o programa do irmão “é preocupante para o futuro de Aveiro: quer dar continuidade a erros gravíssimos, porque gosta deles”. Refere-se entre outras coisas ao que considera o erro urbanístico do Cais do Paraíso, onde está prevista a construção de um hotel com 12 pisos (chama-lhe “o nosso prédio Coutinho”, numa alusão ao polémico edifício de Viana do Castelo). Mas também ao pavilhão que está previsto, e que acha que devia ter mais lugares para acolher finais desportivas e concertos. E ainda ao excesso de construção e poucas árvores previstas para a zona da antiga lota.

Na forma, Alberto elogia a empresa de comunicação contratada pelo irmão, no que acaba por ser um ataque político duríssimo: “Tem salvado o candidato, nesta última fase, de tentar ser um Isaltino de terceira, sem a mesma eficácia e jeito para o fazer. Ele esteve muito tempo sem apresentar o programa. E as propostas são um bocadinho… Há um memorial da macaca e a criação de um dia da transparência por ano. Há pessoas preocupadas com o nível de consistência. Não tenho gostado. Foi um desapontamento. Estava à espera que fosse mais consistente e tivesse outro nível. Isso não está a acontecer.”

Luís não é tão duro, apesar de tudo, mas não se fica atrás na assertividade a criticar o irmão socialista cinco anos mais velho: “O tempo dele já foi, a candidatura não traz nada de novo, é um remake de há 20 anos. Está a insistir na receita que levou ao desastre da câmara.”

Esta conflitualidade entre dois irmãos a representar PS e PSD serve na perfeição a estratégia do Chega em Aveiro. O candidato, Diogo Machado, é um antigo dirigente local do CDS, e ex-diretor-geral da Aveiro Expo. Filiou-se no Chega em 2020, depois de ver uma entrevista de André Ventura na televisão, na altura em que ainda era deputado único. “Dizia o que eu já pensava há muito tempo. Isto era o CDS que eu gostava de ver vivo.”

Sendo o representante de um partido que critica consistentemente PSD e PS, claro que aproveita este brinde adicional de em Aveiro serem da mesma família: “A candidatura dos dois irmãos representa o que de pior a democracia podia gerar. Uma família a tentar controlar a vida de Aveiro. É surreal.”

“É o caldo de cultura ideal para que os mesmos de sempre continuem a governar Aveiro sem terem de prestar contas. Quem garante que não se coligam? E que não estão a controlar a coisa por fora? Como será um almoço de natal dos dois?”, pergunta.

“Um dos irmãos foi 8 anos presidente, candidatou-se a um terceiro mandato, e o povo de Aveiro despediu-o, por ter deixado o concelho na bancarrota. Pouco interessa se era uma dívida de 160 ou 250 milhões. Muitas pessoas em Aveiro perderam os empregos”, acusa, referindo-se a Alberto. “E Luís Souto foi 8 anos presidente da Assembleia Municipal. Devia fiscalizar a atividade da Câmara, mas nunca se lhe ouviu uma palavra contra a gestão do município”.

Diogo Machado compara mesmo os objetivos dos dois irmãos: “Sente-se que a motivação de Alberto Souto é a redenção, para mostrar que não é assim tão mau. Luís tem o complexo do irmão mais novo, de inferioridade em relação ao mais velho”.

As bandeiras do Chega passam pela colocação de um sistema de videovigilância nas freguesias, pela instalação de três novas esquadras da PSP em ambiente urbando, pela criação de um novo hospital em articulação com a universidade, e por negociações com o IHRU para libertar fogos para habitação. Muitas destas propostas dependem de negociações difíceis com o Governo. Não basta a vontade, como aliás o candidato sabe a nível partidário: pediu para em Aveiro o cartaz não ser só ele com André Ventura, mas juntar também outros elementos da equipa, e não conseguiu levar a sua ideia avante, por o partido querer manter uma coerência nacional na campanha.

O candidato do PSD é o alvo preferido do Chega: “O Luís é o pior de todos em termos de preparação para a gestão autárquica. É incapaz para as funções. Aborda os dossiês mais técnicos e sensíveis de forma permanentemente politizada e pouco objetiva. E é cúmplice com situações pouco claras”. De certa forma, dá razão às queixas de Luís Souto, que tem apontado para uma espécie de coligação negativa entre o PS e o Chega para o enfraquecerem.

O Chega de Aveiro tem também insistido em denúncias sobre processos da gestão de Ribau Esteves. Uma das mais recentes é sobre o projeto do Cais do Paraíso, que é de um grupo de Abu Dhabi, detido em 4% por capitais sedeados nas Ilhas Virgens, sem que se saiba a quem pertence a propriedade real.