Para muitos migrantes provenientes de países africanos, a jornada em direcção à Europa não começa num barco, a cruzar perigosamente o Mediterrâneo, mas sim muito antes. “Por vezes, começa em lugares como Mbeubeuss, a maior lixeira a céu aberto de África Ocidental, que fica nos arredores de Dacar, no Senegal”, diz ao P3, em entrevista, o fotógrafo grego Stefanos Paikos, o autor do projecto Reaching for Dusk, que se encontra em exposição ao longo da parte pedonal da Avenida da Liberdade, em Braga. “O debate político [em torno da migração] foca-se geralmente nas causas – a guerra, a pobreza, as alterações climáticas – e deixa de fora uma questão essencial: como é que as pessoas financiam a sua jornada [até à Europa]?”

Mbeubeuss é, nas palavras do fotógrafo, um “desastre ambiental” e ocupa, sensivelmente, uma área semelhante à do Parque das Nações, em Lisboa. Transformou-se, ao longo dos anos, num “sistema frágil e informal de trabalho e sobrevivência”, lê-se no artigo redigido por Paikos, que esteve no Senegal em Dezembro de 2024 e Março de 2025. “Milhares de pessoas, homens, mulheres e crianças, vivem e trabalham em Mbeubeuss sob condições extremamente precárias. Recolhem metal, garrafas de vidro, cabos, e queimam plástico para dele extrair materiais reutilizáveis – sem utilizar material de protecção e rodeado de fumo tóxico e fagulhas afiadas.”

Quem lá trabalha, senegaleses e imigrantes de países vizinhos, ganha entre quatro e nove euros por dia, dependendo da qualidade e quantidade dos materiais que recolhe; muitos demoram anos a juntar o valor de que precisam porque os valores pagos aos trabalhadores são bastante baixos. Por cada quilo de cobre ou metal indiferenciado, cada trabalhador recebe quase quatro euros; por alumínio, recebe pouco mais de 50 cêntimos e o valor decresce progressivamente: as latas são pagas a 0,27 euros por quilo e os plásticos e o vidro a 0,11 euros.

“O objectivo de quase todas as pessoas com quem falei é juntar dinheiro para chegar à Europa”, refere Stefanos Paikos. “Cerca de três mil pessoas trabalham ali, competindo pelos artigos mais rentáveis. É um ambiente que facilmente se torna agressivo.”

Ami Ndiaye trabalha em Mbeubeuss, tem 26 anos e é natural de Kaolack, região que fica a 190 quilómetros a sudeste de Dacar. “Ela é a pessoa mais forte que conheci lá”, recorda o fotógrafo. Ela e o seu filho Babacar de dois anos vivem muito perto de Mbeubeuss. 

Ami trabalha longas horas na lixeira apenas com um objectivo em mente: o de pisar solo europeu. “No início quer ir sozinha, encontrar trabalho, e mais tarde quer trazer também o filho”, refere o grego. No último dia que Stefanos e Ami passaram juntos, “ela chegou com um vestido longo amarelo e um lenço azul na cabeça”, recorda o fotógrafo. “Quando o vento pressionou o tecido contra o seu corpo, ficou claro: Ami está grávida. Tudo o que ela suporta, o trabalho árduo naquele lugar e criar o seu filho, ela faz enquanto carrega outra criança no ventre.”

A maioria dos que trabalham em Mbeubeuss são de outras paragens, de dentro ou de fora do Senegal. “Muitos vêm de países como Guiné-Bissau, Mali ou Mauritânia. Deixam as suas casas por uma grande variedade de razões: secas prolongadas, desespero económico, instabilidade política.” Neste contexto, a Mbeusseus é sempre uma paragem, nunca o destino final. Quem chega, raramente o faz sozinho. “Amigos, familiares, vizinhos já abriram caminho para a sua chegada”, lê-se no artigo que acompanha o projecto. “Através de redes informais, espalha-se a palavra de que pelo menos ali é possível ganhar um pouco de dinheiro. Para muitos, é a única oportunidade de dar continuidade à sua jornada em direcção a norte.”

Demba Baldé nasceu em Gabu, na Guiné-Bissau, há 25 anos e chegou a Dacar há dois, depois da morte do pai. Trabalha em Mbeubeuss diariamente por quatro a cinco euros por dia para poder enviar para casa uma parte porque a mãe está gravemente doente. “A família não consegue suportar os custos do tratamento médico dela e é difícil encontrar trabalho na Guiné, é difícil construir uma vida melhor.”

Demba tem uma rotina “monótona, mas perigosa”, descreve Paikos. “É comum haver disputas violentas por achados valiosos em Mbeubeuss.” O guineense tem no braço uma cicatriz que resultou de uma facada desferida por outro trabalhador. “O seu objectivo é chegar a Portugal porque consegue falar a língua e acredita que isso facilitará na sua busca de emprego. Disse-me que se houver racismo, se as pessoas não gostarem de mim lá, eu não me irei importar porque é a única chance que tenho de ter uma vida melhor.” Até Março de 2025, altura em que o fotógrafo tirou o seu retrato em Mbeubeuss, Demba ainda não tinha conseguido a quantia necessária para seguir viagem.

“Todo este fluxo migratório tem, no fundo, uma só raiz: a Europa e o seu passado”, observa o grego. “A instabilidade que existe em muitos países africanos, os conflitos que lá existem, são, não raramente, uma herança da colonização europeia – que, mesmo no presente, se mantém por via económica. As pessoas que sofrem com esses problemas, em África, querem ir para a Europa para procurar uma vida melhor, mas agora os países europeus não as querem.” O grego sentiu nos migrantes uma desesperança esmagadora. “Muitos acham que não têm hipótese alguma de mudar algo nos seus países por acreditarem que esses estão, ainda que de forma não declarada, sob domínio externo.”

O projecto Reaching for Dusk está dividido em vários capítulos – um realizado na Grécia, outro na Tunísia e outro na Turquia –, todos dedicados ao tema da migração. “Acredito que, no futuro, me irei debruçar cada vez mais sobre os problemas que os países europeus levaram até aos países onde se verificam esses êxodos em massa.”