O Presidente francês Emmanuel Macron nomeou como novo primeiro-ministro Sébastien Lecornu, que se tinha demitido na passada segunda-feira.

No comunicado do Eliseu, a Presidência diz que Lecornu foi “incumbido de formar Governo” e que o chefe de Estado “dá carta branca” ao primeiro-ministro.

Lecornu tinha sido nomeado por Macron como primeiro-ministro há cerca de um mês, mas apresentou a demissão na passada segunda-feira, menos de 24 horas depois da tomada de posse do seu novo Governo. À altura, disse ter sido alvo de “bloqueios” e criticou todos os partidos políticos: “Continuam a adotar uma postura como se todos tivessem maioria absoluta na Assembleia Nacional”, disse.

Agora, o nomeado diz que é “por dever” que volta a aceitar o convite do Presidente. No X, o antigo ministro — que fez parte de todos os governos de Macron desde que este foi eleito, em 2017 — afirmou que aceita esta “missão” por ser necessário garantir que França terá um Orçamento do Estado para o próximo ano e para responder aos problemas quotidianos das pessoas. A dívida pública francesa é neste momento de 114,1% do PIB, a terceira mais alta da zona euro.

“Precisamos de pôr fim a esta crise política que está a exasperar os franceses e a esta instabilidade que é má para a imagem da França e para os seus interesses”, acrescentou.

A queda do primeiro Governo de Lecornu terá sido motivada por uma série de entraves nas negociações entre os partidos. Numa Assembleia Nacional profundamente fragmentada, um primeiro-ministro do Ensemble (o grupo parlamentar do partido de Macron, centrista) não tem nenhuma maioria parlamentar óbvia.

No início de setembro, o entendimento que estava em cima da mesa com os Republicanos (centro-direita) — aliança que, mesmo assim, não tinha número de parlamentares suficiente para uma maioria absoluta na câmara — caiu, com o líder Bruno Retailleau a ventilar que a composição do Governo teria sido mudada à última hora para aumentar o número de ministros macronistas. A escolha mais polémica foi a da Defesa, com a nomeação de Bruno Le Maire, visto como um “desertor” pelos Republicanos por ter trocado o partido pelo Ensemble há já alguns anos.

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As conversações com os restantes partidos também não haviam chegado a bom porto. Com a União Nacional de Marine Le Pen excluída das negociações, sobrava a Frente Popular de esquerda, também ela dividida com socialistas, comunistas e verdes de um lado, e os Insubmissos de Jéan-Luc Mélenchon do outro.

Um dos pontos de maior contenção prende-se com as respostas à crise económica. Os macronistas defendem a aplicação de medidas de austeridade como as sugeridas pelo antigo primeiro-ministro François Bayrou (cujo Governo caiu depois de uma moção de confiança chumbada), enquanto a esquerda defende antes aumento de impostos para os mais ricos, como a chamada “Taxa Zucman” de 2%, a ser aplicada anualmente aos franceses que têm património superior a 100 milhões de euros.

Outro dos temas divisivos durante as negociações para formar o anterior Governo — e que se mantêm agora — é a ideia de abolir o recurso ao artigo 49.3 da Constituição. Este instrumento permite a um Executivo aprovar algumas leis sem necessidade de uma votação parlamentar e tem sido usado frequentemente por governos sem maioria para aprovar o Orçamento. Lecornu comprometeu-se durante as conversações a não recorrer a esta ferramenta, mas isso não chegou e o primeiro-ministro acusou os partidos de o terem feito porque assim “já não havia pretexto para uma censura prévia”, mantendo o Governo em funções mais tempo.

Continua a não haver acordo em nenhuma destas questões, com exceção da composição de Governo, que pode não voltar a incluir Bruno Le Maire. E, desta vez, Lecornu já deu o aviso que “quem entrar no Governo terá de se comprometer a desligar-se das ambições presidenciais para 2027”.

O bloqueio na Assembleia, porém, é quase certo. Lecornu empurra o problema com a barriga, dizendo que todos estes temas “serão abertos ao debate parlamentar” e que os deputados poderão agora “assumir suas responsabilidades e os debates devem ir até o fim”.

Assim que o Eliseu anunciou que a escolha voltava a cair sobre Lecornu, dois partidos apressaram-se a anunciar a apresentação de uma moção de censura ao novo primeiro-ministro já esta segunda-feira: a União Nacional e a França Insubmissa, os dois partidos que tinham sido excluídos destas negociações.

Jordan Bardella, presidente da União Nacional, classificou a decisão de Macron como “uma piada de mau gosto, uma vergonha democrática e uma humilhação para o povo francês”. Marine Le Pen reforçou e disse ser necessária não só uma moção de censura, mas também a dissolução da Assembleia Nacional, que considerou ser “inevitável”.

A França Insubmissa garantiu que vai apresentar essa mesma moção já esta segunda-feira. O coordenador Manuel Bompard classificou a atitude do Presidente francês como “um dedo do meio” apresentado por “uma pessoa irresponsável e embriagada de poder”.

Os comunistas e os ecologistas também se pronunciaram a favor da moção de censura ao novo primeiro-ministro. A grande incógnita continua a ser o Partido Socialista, que reagiu de forma ambígua à notícia. A porta-voz Dieynaba Diop declarou que Emmanuel Macron está “a insultar os franceses” e a insistir numa “provocação”, mas não clarificou se o partido defende uma moção para derrubar o Governo — que, com os votos dos socialistas a somarem-se ao resto da oposição, ditaria a queda. “Somos e continuaremos a ser um partido da oposição”, assegura apenas o PS.