Recuemos um ano. Apenas um ano. Quando ganhou Volta à Catalunha, clássica Liège-Bastogne-Liège, Giro, Tour, Grand Prix de Montreal, Campeonato do Mundo, Giro dell’Emilia e Volta à Lombardia em 2024, havia duas certezas quase inabaláveis: Tadej Pogacar é de longe o melhor da atualidade mas dificilmente poderia fazer uma temporada mais conseguida apesar de ter dispensado, por opção própria, os Jogos Olímpicos de Paris (apontando logo para Los Angeles em 2028 para ir buscar a “sua” medalha). O esloveno de 27 anos concordou com a primeira ideia mas quis desafiar a segunda. Quis e conseguiu. Agora era o último capítulo, de tal forma que mesmo que não vencesse a Volta à Lombardia teria cumprido todos os objetivos.

A Europa é pequena para quem voa sobre o Inferno em busca da eternidade: Pogacar vence Europeus pela primeira vez com solo de 75 quilómetros

Com um calendário diferente daquele que tivera em 2024, abdicando do Giro e depois da Vuelta para poder andar em mais clássicas e chegar da melhor forma à fase final da época, Pogacar começou por conquistar de forma natural a Volta aos Emirados Árabes Unidos antes de começar clássicas: ganhou a Strade Bianche, ficou em terceiro na Milão-Sanremo (triunfo de Mathieu van der Poel), ganhou a Volta a Flandres, acabou em segundo na Paris-Roubaix (vitória de Van der Poel) e na Amstel Gold Race (triunfo de Mattias Skjelmose), ganhou a Flèche Wallonne e a Liège-Bastogne-Liège. Seguiram-se os sucessos no Critério du Dauphiné e no Tour, uma segunda posição no Grand Prix de Montreal “cedendo” o triunfo ao companheiro Brandon McNulty e as vitórias no Campeonato do Mundo e no Campeonato da Europa depois de uma prova de contrarrelógio no mundial onde até foi dobrado por Remco Evenepoel. Um “animal” competitivo.

E se para muitos a temporada já chegou ao fim, para o esloveno havia mais para cumprir. Logo à cabeça, uma promessa: depois de todos os esforços da organização para ter Tadej Pogacar na Três Vales Varesinos do ano passado que acabou por não realizar-se pelas complicadas condições climatéricas, o líder da UAE Emirates garantiu que estaria presente em 2025 e deu espectáculo com mais um ataque a 21 quilómetros do final que teve como única diferença ter sido numa descida e não a subir. Seguia-se o último monumento do ano, numa fase em que Mathieu van der Poel (Milão-Sanremo e Paris-Roubaix) e Tadej Pogacar (Volta a Flandres e Liège-Bastogne-Liège) dividiam os quatro triunfos anteriores mas havia muita concorrência na luta.

Com Jonas Vingegaard já de férias no Japão depois do triunfo na Vuelta e de uma passagem discreta pelos Europeus, e com Florian Lipowitz e Giulio Ciccone a ficarem também de fora, Pogacar continuava a ter na sombra nomes como Remco Evenepoel, Thomas Pidcock, Primoz Roglic, Oscar Onley, Christian Scaroni, Romain Grégoire, Mattias Skjelmose, Ben Healy ou Paul Seixas, cada vez mais apontado como a promessa francesa (com sangue português) que poderá desafiar o domínio do esloveno no Tour, numa corrida que contava também com as presenças nacionais de Afonso Eulálio (Bahrain) e Rui Costa (EF Education).

É um dos meus grandes objetivos para este último bloco de competições. A forma está cá, as pernas estão a responder bem, a equipa está forte, por isso estou ansioso por competir. Esta época tem sido incrível para a equipa. Sinto-me sortudo por fazer parte deste grupo especial e espero que possamos manter esse ritmo este fim de semana e no futuro”, dizia Pogacar.

Apesar de às vezes parecer fácil, era tudo menos isso: 238 quilómetros de prova, 4.400 metros acumulados, a passagem por pontos míticos do último monumento do ano como a Madonna del Ghisallo, o Lago de Como, Roncola, Berbenno, o Passo della Crocetta, a Zambla Alta, o Passo di Ganda, a chegada com o Colle Aperto a apenas três quilómetros da meta. E com um extra para Pogacar: depois de ter igualado Alfredo Binda (1925, 1926, 1927 e 1931) em 2024, o esloveno podia chegar também ao mítico Fausto Coppi com cinco triunfos na Volta à Lombardia, depois dos triunfos do transalpino nos anos de 1946, 1947, 1948, 1949 e 1954, tendo a seu lado nomes como Isaac del Toro, Pavel Sivakov, Domen Novak, Jay Vine e Rafal Majka, que fazia a sua última corrida como profissional como Louis Meintjes, Simone Petilli, Salvatore Puccio e Pieter Serry.

Ao contrário do que aconteceu no ano passado, e com Quinn Simmons a atacar de novo logo a abrir como foi acontecendo várias vezes no Tour, a fuga conseguiu formar-se e levou consigo um grupo de 14 elementos que foram liderando durante largos quilómetros com mais ou menos avanço mediante o ritmo que o pelotão quisesse ir levando: Gal Glivar (Alpecin-Deceuninck), Thibault Guernalec (Arkéa), Pello Bilbao (Bahrain), Filippo Ganna, Lucas Hamilton, Victor Langellotti (Ineos), Quinn Simmons (Lidl Trek), Walter Calzoni (Q36.5), Louis Vervaeke (Soudal-QuickStep), Asbjorn Hellemose, Michael Matthews (Jayco), Bjorn Koerdt (Picnic), Mattia Bais (Polti VisitMalta) e Bart Lemmen (Visma-Lease a Bike). Ainda houve uma pequena queda com nomes como Sepp Kuss ou Pellizzari, um problema com Thomas Pidcock que o levou a mudar de equipamento continuando a rodar na parte de trás do pelotão, mas tudo estava estabilizado.

A vantagem chegou a andar um pouco acima dos três minutos a 150 quilómetros, a chegada dos momentos mais “críticos” de decisão começou a fazer cair essa diferença, ficou mesmo a ideia de que foi Pogacar a pedir a Pavel Sivakov para abrandar o ritmo na perseguição a subir percebendo a “mossa” que isso estava a causar em tudo e todos, incluindo a Emirates, mas a 130 quilómetros do final a diferença já tinha caído para menos um terço, fixando-se nos dois minutos e em 1.30 minutos apenas 20 quilómetros depois, sendo que o ritmo que era colocado pela Emirates continuava a provocar grande desgaste no pelotão apesar de nova subida do tempo para a fuga que passou de novo para os três minutos antes das montanhas mais “a sério”.

Matthews, Vervaeke, Ganna, Bais, Calzoni, Langelotti, Lemmen, Bilbao, Koerdt e Simmons eram agora os dez resistentes na fuga quando se chegou a Passo della Crocetta, altura em que Quinn Simmons voltou a ter o papel de protagonista a arriscar na frente ganhando 15 segundos sobre os restantes elementos da fuga com o pelotão ainda a três minutos. A corrida começava a entrar numa outra fase, com o norte-americano a correr sozinho na frente e o grupo perseguidor a saber que estava sentenciado a ser superado pelos comboios que vinham atrás. A 50 quilómetros do final a vantagem era de 2.54 minutos, a 36,5 quilómetros passara para cerca de 1.30 minutos. Começava aí o espectáculo de Pogacar, que desta vez teve contornos ainda mais destrutivos do que é normal sem que ninguém conseguisse esboçar sequer uma reação ao “raio” que caíra.

Bastou um quilómetro e meio para o esloveno não só deixar nomes como Remco Evenepoel a mais de um minuto como para chegar a Quinn Simmons, que mesmo andando a um bom ritmo não teve hipótese para conseguir acompanhar o campeão europeu e mundial na sua marcha para a vitória. O “estoiro” na corrida já estava dado, a partir daí, como vão dizendo os realizadores, o melhor mesmo era ir filmando a luta apenas pelo primeiro de todos os outros que a certa altura perdeu Richard Carapaz, que teve uma queda feia numa zona de pedra onde acabou por embater. A 20 quilómetros do fim, Remco Evenepoel continuava a não atirar a toalha ao chão, Michael Storer tentava seguir o belga, Isaac del Toro estava em cima de Simmons.

Todos tinham o seu mérito. Pogacar pela forma como ganha, continua a ganhar e tem uma constante sede de mostrar que é melhor do que os outros. Remco pela maneira como, sendo novamente superado, tentou ao máximo resistir quando qualquer outro se iria afundar em termos de tempo. Storer pela capacidade de ainda aguentar mesmo sem ter a roda do belga. Simmons pela força para continuar a andar o melhor possível após mais de 200 quilómetros em fuga. No entanto, a vitória acabou por ir para o suspeito de sempre, neste caso com mais um marco histórico de igualar os triunfos de Coppi na Volta à Lombardia e tornar-se o primeiro a conseguir ganhar por cinco anos consecutivos um dos monumentos – prometendo ser melhor em 2026.

Pogacar venceu esta edição da Volta à Lombardia com o tempo de 5.45.43, seguido por Remco Evenepoel (que fazia a despedida da Soudal Quick-Step a caminho da Red Bull-Bora) a 1.48 e Michael Storer (Tudor) a 3.14. Fecharam o top 10 Quinn Simmons (Lidl-Trek, 3.39), Isaac del Toro (Emirates, 4.16), Thomas Pidcock (Q36.5, 4.16), Paul Seixas (Decathlon AG2R, 4.16), Egan Bernal (Ineos, 4.16), Jay Vine (Emirates, 4.18) e Cian Uijtdebroeks (Visma-Lease a Bike, 4.30). Entre os dois portugueses, Rui Costa (EF Education) terminou na 66.ª posição a 18.12, ao passo que Afonso Eulálio não foi além do 96.º lugar (26.16).