Há filmes pelos quais você não dá nada pelo trailer e que acabam surpreendendo ao serem lançados, enquanto os mais aguardados lançamentos arrasa-quarteirões do ano podem se revelar bem decepcionantes. É revigorante perceber que o primeiro caso é o de A Mulher na Cabine 10, suspense adaptado do livro homônimo de Ruth Ware. 

No longa, a jornalista Laura Blacklock, vivida muito bem por Keira Knightley, decide que, após um intenso e desgastante trabalho investigativo anterior, é uma boa hora para matérias mais leves e que restaurem a fé na humanidade. Nas novas pautas está a viagem inaugural filantrópica de um luxuoso cruzeiro pelo Mar do Norte chamado Aurora Boreal, em que uma empresária com leucemia decide fazer uma arrecadação para pacientes com câncer. O sossego da protagonista termina quando Laura presencia, sozinha, o homicídio de alguém que viria da referida cabine do título da obra, a qual todos dizem estar desocupada.

Com esta trama, impossível não lembrar de Plano de Voo, estrelado por Jodie Foster em seus tempos áureos de filmes de suspense. A Mulher na Cabine 10, entretanto, mostra-se até mais eficiente por estabelecer os passageiros de modo que inicialmente estejam acima de qualquer suspeita. O longa também cria momentos bem verossímeis de mistério que envolvem não só a identidade da suposta vítima, como também do assassino, mesclando muito bem o estabelecimento de uma figura misteriosa com uma questão despretensiosa da vida pessoal de Laura, relacionada a seu ex-namorado. Aliás, foi ele quem convidou a nossa heroína para a viagem e, veja só, está a bordo. Desta forma, a trama amarra acontecimentos de forma surpreendentemente criativa.

Keira Knightley transmite toda a agonia, surpresa e dedicação de forma sempre estimulante da protagonista. Nisso também se destacam os figurinos que ela passa a usar em alto-mar (trabalho notável de Eimer Ní  Mhaoldomhnaigh), sempre blusas com mangas longas e calças compridas ou mesmo suéteres. As roupas conferem à personagem um ar vulnerável e inseguro, como se quisesse sempre se cobrir não só do frio intenso do lugar como também do perigo que parece sempre cercá-la. 

A fotografia de Ben Davis quase sempre acinzentada e azulada, de iluminação sempre suave e, por vezes, escassa traz um aspecto pouco convidativo às paisagens e uma atmosfera cavernosa ao navio, sugerindo sempre um caráter obscuro por trás de tanto poder e opulência dos passageiros e, principalmente, dos donos do navio. É uma pena, porém, que não haja uma diversificação no uso cromático e em contrastes visuais ao longo da projeção. O destaque maior mesmo fica por conta do trabalho de maquiagem de Jenny Shircore pelo uso importantíssimo que diz respeito à identidade da vítima e da figura misteriosa mencionada anteriormente. O recurso carrega um plot twist memorável, cujo efeito só é possível graças a inacreditável qualidade, que pode fazer até mesmo o espectador duvidar da própria percepção visual, confusão essa pretendida pelo filme. 

A conclusão do enigma e do arco das personagens, junto à engenhosidade da trama, sem se ancorar em suspensões de descrença questionáveis, como pode ocorre a algumas obras do gênero, é bastante satisfatória. A Mulher na Cabine 10 demonstra que, por mais apenas funcional que seja a direção de Simon Stone, sem grandes escolhas criativas em termos de movimentos de câmera e de enquadramentos, o mais importante é que se entregue ao espectador uma história autêntica e instigante, com uma protagonista carismática com aquele “doce” clima noturno de um filme que você assistiria tomando um chocolate quente em um sábado à noite no melhor estilo Supercine. 

  • Formado em Design pela Universidade Federal do Amazonas. Designer Gráfico e ilustrador, encontrou nas animações de cinema e TV que via na infância o amor pelo Audiovisual. Roteirista, editor, artista de storyboard e diretor, trabalhou em curtas e médias-metragens locais. Também já deu as caras como coralista e ator de teatro musical.Quando não está produzindo filmes, ama falar sobre eles. Escrevia sobre cinema em blogs pessoais e eventualmente produz vídeos para o YouTube através de seu canal de cultura pop, o Nerdtown, onde expressa sua nerdice e cinefilia, analisando e teorizando filmes, séries e animações preferidas, além de quadrinhos. Fã árduo da saga Star Wars.


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