“Teria eu uns sete ou oito anos. Estávamos nas férias de Verão, em Paço de Arcos. Ele acordou-me às seis da manhã. Abanou-me como se o mundo estivesse a acabar. Disse: ‘Pedro, olha.’ Abriu a persiana. Era o sol a nascer. E era tanto”, começou por escrever Pedro Chagas Freitas, antes de acrescentar: “Ali, o Jorge Pizarro, o meu primo, ensinou-me mais do que poderia imaginar. Não esqueci aquele momento, não esqueci a raridade de haver um sol que nasce todos os dias – à distância de uma janela, de uma tentativa.”

“O Jorge era mais velho quatro ou cinco anos. Parecia ter 1000 vidas de avanço. Era o tipo de pessoa que via beleza num prego enferrujado. Dava-se ao luxo de sentir. Tudo. Demais. Sempre demais. Era músico, poeta, pai, vagabundo da sensibilidade. Cantou em becos, bares, países que só existem em álbuns de viagem. Viveu na corda bamba entre o sublime e a ruína”, assinalou, ainda, o escritor.

De seguida, Pedro Chagas Freitas reconheceu: “Caiu. Muitas vezes. Caía com dignidade, como só os que voam sabem cair. Anos depois, reencontrámo-nos por acaso no Intercidades. Não nos víamos há uma década. O comboio mal deu conta da viagem. Falámos como se a infância ainda estivesse à esquina. Letras, dores, tentativas. Ele queria ser normal. Ridículo. O Jorge nunca seria normal. Era uma borboleta a tentar viver como pássaro doméstico.”

“Não conseguiu. Claro que não conseguiu. Quando morreu, não morreu. Transformou-se em música. Há vidas que não cabem num corpo. Há mortos que continuam a nascer, todos os dias. Como o sol”, completou.

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