A Terra já enveredou pelo seu primeiro sem retorno caminho climático: as alterações climáticas estão a provocar a mortalidade em massa dos recifes de corais de águas quentes. Este ponto de inflexão climático é um de vários sinais de alerta descritos num extenso relatório internacional, publicado nesta segunda-feira, que detalha como a subida dos termómetros globais está a empurrar vários sistemas vitais do planeta para um limite perigoso.

“Estamos a aproximar-nos rapidamente de múltiplos pontos de inflexão do sistema terrestre que podem transformar o nosso mundo, com consequências devastadoras para as pessoas e para a natureza. Isto exige acções imediatas e sem precedentes por parte dos líderes na Cimeira do Clima (COP30) e dos decisores políticos de todo o mundo”, afirma Tim M. Lenton, que coordenou o relatório internacional, num comunicado da Universidade de Exeter, no Reino Unido.

Intitulado Global Tipping Points Report, o relatório foi elaborado por mais de 160 cientistas de 23 países e fornece informação actualizada para os decisores políticos e negociadores que participam na próxima Cimeira do Clima nas Nações Unidas, a COP30, que decorre de 10 a 21 de Novembro em Belém, no Brasil.

O que são pontos de inflexão?

Os pontos de inflexão (tipping points, em inglês) são limiares críticos do sistema terrestre que, uma vez transpostos, podem ter consequências súbitas e possivelmente irreversíveis.

“O facto de os recifes de coral de águas quentes estarem a ultrapassar o seu ponto de inflexão térmica é uma tragédia para a natureza e para as pessoas que dependem deles para alimentação e rendimento. Esta situação sombria deve servir de alerta para o facto de que, a menos que actuemos de forma decisiva agora, também perderemos a floresta amazónica, as camadas de gelo e as correntes oceânicas vitais”, alerta o cientista Mike Barrett, co-autor do relatório, no comunicado.


Estima-se que dependem desses ecossistemas coralinos quase mil milhões de pessoas e um quarto de toda a vida marinha. Com a ultrapassagem de “um dos muitos pontos de inflexão”, a Terra passa a enfrentar “uma nova realidade”, que, na prática, constitui um território desconhecido para a humanidade, refere a nota de imprensa da universidade britânica.

A menos que os decisores políticos tomem medidas urgentes, de forma articulada e concomitante, os recifes de corais podem ter os dias contados. E daí que a COP30 seja vista pela comunidade científica como um momento decisivo para renovar um compromisso global de redução das emissões de gases com efeito de estufa.

COP30 e o “mutirão” global

No documento, os autores concluem ainda que o aumento da temperatura média global que pode fazer sucumbir a Amazónia é, afinal, menor do que o que se pensava, com o limite inferior estimado em 1,5 graus Celsius em relação ao período pré-industrial – valor que já foi ultrapassado, ainda que temporariamente.

A circulação termoalina meridional do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês) também corre o risco de entrar em colapso num cenário de aquecimento global de até 2 graus Celsius. Isso resultaria, segundo o relatório internacional, não só em invernos muito mais rigorosos no Noroeste da Europa, mas também em perturbações nas monções da África Ocidental e da Índia e na queda da produtividade agrícola em grande parte do planeta.

Os autores do relatório, afiliados a quase 90 instituições científicas, sublinham a urgência de reduzir drasticamente as quantidades de carbono enviadas para a atmosfera, por forma a evitar a todo custo que mais pontos de inflexão sejam transpostos.

O primeiro relatório Global Tipping Points Report foi publicado há dois anos, com o mesmo objectivo. A segunda, e mais recente, edição do documento é publicada numa altura de “urgência”, mas também de múltiplas “possibilidades”, lê-se no prefácio assinado por André Corrêa do Lago, presidente da COP30.

“A visão do Brasil para a COP30 é transformar a narrativa dos pontos de inflexão do medo para a esperança. Devemos evitar danos irreversíveis, mas igualmente desencadear pontos de inflexão positivos que possam impulsionar as sociedades em direcção a um desenvolvimento resiliente e de baixo carbono e à prosperidade inclusiva. Isso requer um esforço colectivo – um Mutirão Global – em que todas as nações e comunidades ajam juntas, por escolha própria, para construir um futuro não imposto pela catástrofe, mas projectado por meio da cooperação”, afirma o embaixador brasileiro Corrêa do Lago.