Um estudo de cientistas austríacos, apresentado recentemente numa conferência sobre gastroenterologia, aponta que as partículas de microplásticos prejudicam a microbiota intestinal. O investigador Christian Pacher-Deutsch, da Universidade de Graz (Áustria), co-autor da investigação, expôs bactérias intestinais de cinco voluntários saudáveis a cinco tipos comuns de microplásticos. As análises indicaram alterações nas populações bacterianas e nas substâncias que estas produzem. Entre as mudanças verificadas, foram detetados padrões associados à depressão e ao cancro colorretal.

“Embora ainda seja cedo para tirarmos conclusões definitivas sobre a saúde, sabemos que o microbioma é central para vários aspetos do bem-estar, desde a digestão até à saúde mental”, afirmou Pacher-Deutsch, citado pelo “The Guardian”, após apresentar o estudo, na conferência United European Gastroenterology, em Berlim. Para o investigador, reduzir a exposição aos microplásticos “sempre que possível” é uma medida prudente.

Os microplásticos têm origem em objetos do quotidiano como embalagens, roupa, tintas, cosméticos ou pneus. Muitos são tão pequenos que conseguem atravessar os revestimentos pulmonares e intestinais, e chegar à corrente sanguínea e aos órgãos.

Impacto no cérebro

O estudo em causa é um dos que o jornal britânico “The Guardian” citou num trabalho extenso sobre os malefícios dos microplásticos, que não se ficarão apenas pelos impactos intestinais.

Em 2023, a neurologista Jaime Ross, da Universidade de Rhode Island, iniciou experiências para perceber o efeito destas partículas no cérebro de mamíferos. Em testes com ratos que ingeriram água contaminada com microplásticos, os animais começaram a comportar-se de forma atípica. Ratos colocados em caixas iluminadas costumam manter-se encostados às paredes, mas os expostos às partículas mostravam agitação e aventuravam-se pelo espaço, num comportamento semelhante ao observado em animais idosos ou com doenças neurológicas.

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Após a dissecação, foram encontrados microplásticos em todos os órgãos, incluindo o cérebro. Nessa região, verificou-se a redução da proteína GFAP, essencial para a saúde cerebral e associada a quadros de demência e depressão.

Desde então, investigações em seres humanos detetaram microplásticos no cérebro de pessoas com demência e em placas arteriais de pacientes com doenças cardiovasculares. Aqueles cujas artérias apresentavam maior concentração de partículas tinham quase cinco vezes mais probabilidade de sofrer um ataque cardíaco ou de morrer num período de três anos.

Apesar da recente bibliografia sobre o tema, os especialistas alertam para limitações metodológicas das pesquisas. Os estudos recorrem a técnicas muito distintas, o que dificulta a comparação dos resultados. Alguns métodos, incluindo os usados para medir microplásticos em doentes com demência ou problemas cardíacos, podem ser afetados por interferências do tecido biológico. Por isso, os dados ainda não permitem tirar conclusões sólidas e devem ser interpretados com prudência, alerta a comunidade científica. “Os plásticos são muito variados. Existem múltiplos tipos e formatos que podem influenciar os efeitos negativos”, observa Vahitha Abdul Salam, da Universidade Queen Mary de Londres.

Evitar utensílios de plástico na cozinha

Embora seja impossível eliminar totalmente o contacto com microplásticos, há formas de reduzir a exposição. Entre as recomendações estão evitar utensílios de plástico ao cozinhar, não colocar bebidas ou alimentos quentes em recipientes de plástico e verificar nos rótulos de cosméticos e produtos de higiene ingredientes como polietileno, polipropileno ou acrilatos.

Há, no entanto, um dado encorajador. Mesmo que os níveis de microplásticos estejam a aumentar no corpo humano, as pessoas mais velhas não parecem acumular quantidades superiores. “Considero isto uma boa notícia, porque sugere que o nosso corpo pode conseguir eliminá-los”, explicou Jaime Ross ao “The Guardian”. Descobrir formas de acelerar esse possível processo natural será uma prioridade para futuras investigações.