Depois de um dia de euforia e alívio com o regresso dos 20 reféns vivos a Israel, o ambiente começou a esmorecer quando se percebeu que o Hamas apenas devolveria quatro corpos entre 28 mortos (ainda há um refém oficialmente considerado vivo, mas todos os responsáveis em Israel têm falado dele como morto).
Israel já identificou os reféns mortos – que incluíam o nepalês Bipin Joshi, dado como um dos dois de quem não se sabia se estava vivo ou morto. Joshi terá sido assassinado nos primeiros meses da guerra, segundo o Exército de Israel. O nepalês foi raptado de um kibbutz onde estava a fazer um programa de intercâmbio a trabalhar na agricultura.
Ainda segundo o Exército, o outro refém morto identificado, Guy Illuz, foi ferido durante o ataque de 7 de Outubro e levado para Gaza, onde morreu por não ter recebido tratamento médico adequado para os seus ferimentos.
As famílias dos outros dois reféns mortos não autorizaram que os nomes fossem divulgados.
O grupo de pressão para a libertação dos reféns acusou entretanto o Hamas de não cumprir o acordo por não ter devolvido os corpos de todos os reféns mortos. O acordo estipulava a libertação e devolução de todos os reféns, vivos e mortos, no mesmo dia, embora parecesse depois contemplar a dificuldade de localizar os corpos dos mortos, prevendo uma task force internacional.
O Comité Internacional da Cruz Vermelha disse que há um risco claro de que “leve muito mais tempo” a recuperar os corpos dos mortos, já que “é um desafio enorme” localizar e recuperar corpos nos escombros de locais bombardeados.
“Há claramente um risco de que leve muito mais tempo”, de dias ou semanas, disse o porta-voz Christian Cardon citado pela agência Reuters. E há ainda, alertou, a possibilidade de que não sejam todos encontrados.
A ONU tem estimado que sob mais de 53 milhões de toneladas de destroços causados pelos bombardeamentos israelitas na Faixa de Gaza haja pelo menos 10 mil corpos.
O grupo de familiares dos reféns recomeçou os protestos, voltando a pôr cartazes em locais onde antes tinham sido retirados. “Ainda há uma luta à nossa frente”, disse uma das pessoas ao Haaretz.
Quanto aos 20 reféns vivos libertados, começaram a surgir relatos de como tinha sido o seu tratamento. A maioria esteve em túneis, em especial depois de uma operação do Exército que libertou quatro reféns em Junho de 2024 (e que deixou mais de 270 palestinianos mortos), com muito pouco acesso a informação do exterior, e não faziam ideia se pessoas próximas estavam vivas ou mortas (num caso, os captores disseram a um dos reféns que os avós tinham morrido e, afinal, estavam vivos).
Dois irmãos foram mantidos em locais muito próximos um do outro, sem saberem.
O pior caso de isolamento foi de Avinatan Or, levado do festival Nova, assim como a sua namorada, Noa Argamani. Argamani foi libertada na operação de Junho de 2024, mas Avitanan nunca soube. Um dos vídeos de 7 de Outubro mostra-os a ser separados enquanto são raptados, ele sendo imobilizado, ela levada de mota.
Reabilitação longa
Anat Angrest, uma das figuras mais activas nos protestos por um acordo para libertação dos reféns, e muito crítica de Benjamin Netanyahu, contou que por ser soldado, o seu filho Matan foi sujeito a “tortura especialmente dura” nos primeiros meses.
Também se lembra de “bombardeamentos pesados, aviões sobre as suas cabeças, paredes a cair ao seu lado, muitas vezes ficou no meio do pó de escombros, tentando sair e sobreviver… Situações muito complicadas”, contou a mãe.
Os reféns libertados vão continuar a fazer exames médicos em centros especializados (o centro médico Rabin criou mesmo uma unidade especializada em cuidados a ex-reféns após as últimas libertações). Reféns libertados anteriormente continuaram a sofrer de problemas físicos e psicológicos ligados ao ataque e às condições de detenção, com vários a relatar tortura, ataques sexuais e abusos. Alguns dos problemas surgem após semanas ou meses, alertaram especialistas.
“A reabilitação médica, psicológica e social é um processo longo e complexo, que requer responsabilidade, coordenação, e cooperação”, declarou, citado pelo Guardian, Hagai Levine, que lidera a equipa de saúde dos reféns e famílias. É um processo para “os sobreviventes de cativeiro, para as famílias, e para a sociedade como um todo”.