O Governo de Bashar al-Assad realizou uma operação clandestina durante dois anos para transportar milhares de corpos de uma das maiores valas comuns conhecidas da Síria para um local secreto, a mais de uma hora de distância, no deserto remoto, segundo uma investigação da agência de notícias Reuters revelada esta terça-feira.
A conspiração do Exército do então Presidente Bashar al-Assad para escavar a vala comum em Qutayfah e criar uma segunda vala comum no deserto fora da cidade de Dhumair não tinha sido relatada anteriormente, segundo a Reuters.
Para descobrir a localização do cemitério de Dhumair e detalhar os contornos da operação, a agência noticiosa ouviu 13 pessoas com conhecimento direto do esforço de dois anos para transferir os corpos, analisou documentos produzidos por funcionários envolvidos e estudou centenas de imagens de satélite de ambos os cemitérios tiradas ao longo de vários anos.
A operação para transferir os corpos de Qutayfah para outro local escondido a dezenas de quilómetros de distância foi designada como “Operação Move Earth”. O objetivo era encobrir os crimes do Governo de Assad e ajudar a restaurar a sua imagem, revelaram as testemunhas ouvidas pela Reuters.
Entre fevereiro de 2019 e abril de 2021, quase todas as semanas, seis a oito camiões cheios de terra e restos mortais viajaram de Qutayfah para o local no deserto de Dhumair, de acordo com testemunhas envolvidas na operação.
Todos os envolvidos – incluindo dois camionistas, três mecânicos, um operador de escavadora e um ex-oficial da Guarda Republicana de elite de Assad, que esteve envolvido desde os primeiros dias da transferência – lembravam-se do mau cheiro.
A Reuters informou esta terça-feira o Governo do atual Presidente, Ahmed al-Sharaa, das conclusões da investigação. A agência de notícias não revela a localização exata “para reduzir a probabilidade de intrusos adulterarem a sepultura”.
Com pelo menos 34 valas com dois quilómetros de comprimento, a sepultura no deserto de Dhumair está entre as mais extensas criadas durante a guerra civil síria, afirma a Reuters. E, acrescenta, “testemunhos e as dimensões do novo local sugerem que dezenas de milhares de pessoas podem estar lá enterradas”.
O Governo de Assad começou a enterrar os mortos em Qutayfah por volta de 2012, no início da guerra civil. A vala comum continha os corpos de soldados e prisioneiros que morreram nas prisões e hospitais militares do ditador, revelaram as testemunhas ouvidas nesta investigação.
Um ativista sírio de direitos humanos expôs Qutayfah ao divulgar fotografias aos media locais em 2014, revelando a existência da vala comum e a sua localização nos arredores de Damasco. A sua localização exata, contudo, só veio à tona alguns anos depois, em depoimentos judiciais e reportagens.
Segundo a agência noticiosa, Assad, que, após a queda da ditadura síria no final do ano passado, fugiu do país e está a viver na Rússia, e vários oficiais militares identificados por testemunhas como tendo desempenhado papéis fundamentais na operação não puderam ser contactados pela Reuters para comentar o caso.