Foram detidas cerca de 20 pessoas esta terça-feira, 14 de Outubro, na Bélgica durante uma das maiores manifestações da história recente do país. Na sequência de confrontos com os manifestantes, a polícia utilizou gás lacrimogéneo e canhões de água para fazer dispersar a multidão no centro de Bruxelas, onde muitas infra-estruturas foram vandalizadas por grupos de jovens que, de cara tapada, se terão aproveitado da ocasião. A manifestação foi interrompida antecipadamente, por volta das 16h locais (15h em Lisboa), devido aos incidentes que se multiplicaram ao longo da tarde.
Os números oficiais, divulgados pela polícia de Bruxelas, apontam para os 80 mil participantes. Já os sindicatos envolvidos falam em mais de cem mil pessoas mobilizadas nas ruas da capital.
Na origem do descontentamento estão as reformas económicas e sociais do Governo de coligação federal da Bélgica, liderado pelo conservador Bart De Wever. O primeiro-ministro, que tomou posse no início de Fevereiro, quer limitar o subsídio de desemprego a dois anos e aplicar uma ampla reforma da segurança social, incluindo a eliminação dos regimes especiais e o alinhamento da situação dos funcionários públicos com a do sector privado.
O Governo belga está também a preparar cortes orçamentais significativos no orçamento para 2026, que deveria ser apresentado esta terça-feira. A apresentação do documento foi adiada para a próxima semana.
O Governo está a “implementar um plano brutal: um ataque em grande escala à protecção social, aos serviços públicos, à segurança social e à solidariedade”, criticou esta terça-feira o movimento intersindical belga.
Vandalismo e confrontos com a polícia
Pouco passava das 12h locais, hora prevista para o início da marcha, e já eram noticiados os primeiros confrontos entre manifestantes e polícia na Boulevard Pachéco, no centro de Bruxelas. De um lado, dezenas de protestantes com o rosto tapado por máscaras lançavam petardos e bombas de tinta e fumo. Do outro, a polícia respondia com gás lacrimogéneo.
“Estávamos apenas a marchar pacificamente e, de repente, apareceram bombas de fumo e a polícia. Não percebo. Por causa de talvez dez arruaceiros… Lançaram gás lacrimogéneo sobre toda a multidão — idosos, crianças… Foi vergonhoso, uma autêntica desgraça”, disse Rafael, carteiro, com os olhos ainda vermelhos devido ao gás, citado pelo Politico.
Os líderes do AVBB, sindicato responsável pela organização da manifestação, dizem ter perdido o controlo da situação. Apesar de terem planeado ser a frente oficial do protesto, Thierry Bodson e Bert Engelaar afirmam nem sequer ter conseguido iniciar a manifestação e rapidamente se viram engolidos pela multidão, infortúnio que atribuíram a uma minoria violenta que se aproveitou da situação, avançou o diário belga De Morgen.
Mais tarde, activistas vandalizaram a sede do partido Vooruit, um dos membros da coligação em funções governativas. Em frente ao edifício, os manifestantes colocaram flores comemorativas, acompanhadas de um cartaz que faz referência aos planos de pensões de De Wever e Rousseau (líder do Vooruit), deixando também um cartaz alusivo ao contestado aumento da idade da reforma dos 65 para os 67 anos.
Várias fachadas de edifícios situados nas ruas por onde passou a manifestação foram vandalizadas. Uma delas pertence aos Serviços de Imigração (DVZ, na sigla original). Aí, manifestantes mascarados partiram 44 janelas e lançaram bombas de fumo e petardos. A polícia terá respondido com gás lacrimogéneo e canhões de água.
A ministra do Asilo e Migração, Anneleen Van Bossuyt, publicou na rede social X uma mensagem em que sublinha que a destruição causada pelos manifestantes violentos nos edifícios do DVZ “não tem nada a ver com o direito à greve”, acrescentando que “quem ataca os nossos funcionários ou edifícios está a atacar a nossa sociedade”. Nos vídeos que acompanham a publicação é possível observar os manifestantes mascarados a destruir violentamente a porta do edifício, momentos antes de se iniciar um pequeno incêndio na entrada do prédio.
Cancelado, cancelado, cancelado…
Cancelado, cancelado, cancelado, cancelado. A palavra repetia-se vezes sem conta nos painéis electrónicos do Aeroporto de Charleroi. Aterragens e descolagens temporariamente suspensas na manhã desta terça-feira, 14 de Outubro, dia em que se realiza a greve geral em todo o país. Também no aeroporto principal de Bruxelas, em Zaventem, há registo de voos afectados pela paralisação, uma “dor de cabeça” para milhares de passageiros.
Devido à falta de pessoal aeroportuário, as companhias aéreas foram obrigadas a cancelar ou divergir os voos que passariam por Charleroi, sendo expectável que a paralisação se prolongue até à meia-noite. Também voos provenientes e com destino a Portugal estão na lista dos afectados. Os passageiros devem contactar as respectivas companhias aéreas para tratar de reembolsos ou marcar outra viagem.
Da parte da tarde, esperavam-se já dezenas de milhares de pessoas nas ruas da capital, Bruxelas, para a marcha convocada pelos principais sindicatos, mas logo pela manhã os efeitos dos protestos já se faziam sentir. De acordo com o diário belga La Libre, os túneis Annie Cordy, Botanique e Rogier estiveram encerrados durante a hora de ponta por causa de um incêndio perto da estação de metro de Yser, depois de manifestantes terem ocupado a faixa de rodagem com sinais e ramos a arder. O incêndio foi apagado pouco tempo depois e os túneis reabertos.
Além do tráfego aéreo, a paralisação afecta também a circulação de autocarros, metro e outros transportes públicos. A funcionar de acordo com o planeado deverá estar só o serviço da SNCB, a rede nacional belga da ferrovia, de acordo com informação veiculada pela empresa e citada pelo The Brussel Times. Também a Eurostar, empresa que faz o serviço do TGV, espera que não existam atrasos nos horários de circulação.