É um caso inédito. A China vai ripostar

O governo dos Países Baixos interveio de forma inédita na empresa de semicondutores Nexperia, uma fabricante de chips sediada em Nijmegen, invocando a lei da disponibilidade de bens. Trata-se de uma legislação da era da Guerra Fria que nunca tinha sido utilizada.  

Os Países Baixos assumiram o controlo da fabricante detida por capitais chineses, para garantir o abastecimento de chips essenciais à indústria automóvel e eletrónica de consumo na Europa. 

A decisão, anunciada no domingo, ocorre num contexto de crescentes tensões entre os países ocidentais e a China em torno do acesso a tecnologias mais avançadas e matérias-primas críticas. 

Ex-Philips

A Nexperia é uma das maiores fabricantes mundiais de semicondutores simples, como díodos e transístores, mas também desenvolve tecnologias mais avançadas, incluindo chips de “wide gap”, que são fundamentais para carros elétricos, centros de processamento de dados e inteligência artificial. A empresa fornece componentes essenciais para as indústrias automóvel e eletrónica europeias. 

Originalmente fazia parte da Philips e depois da NXP Semiconductors. Em 2017 foi vendida a um consórcio chinês e, no ano seguinte, adquirida pela Wingtech Technology Co., um conglomerado chinês com um forte apoio estatal e também fornecedor da Apple e de outras gigantes empresas tecnológicas.  

A Wingtech já tinha sido incluída na “lista de entidades restritas” dos EUA em dezembro de 2024 pelo seu suposto papel “em ajudar os esforços do governo chinês para adquirir entidades com capacidade sensível na fabricação de semicondutores”- as empresas incluídas nesta lista necessitam de licenças de exportação para qualquer transação que envolva os Estados Unidos. A Nexperia, que é 100% detida pela Wingtech, afirmou na altura que iria cumprir as regras dos EUA, embora tenha referido que as suas operações eram mantidas à distância da sua empresa-mãe chinesa. 

CEO chinês afastado

O CEO executivo da Wingtech e também diretor executivo da Nexperia, Zhang Xuezheng, foi suspenso na sequência de uma ordem judicial emitida por um tribunal de Amsterdão a 6 de outubro, após terem sido encontradas “razões bem fundamentadas para duvidar” de que a empresa estivesse a seguir uma política ou ações de gestão corretas ao abrigo do direito civil holandês. 

O ministro holandês da economia, Vincent Karremans, afirmou numa carta ao parlamento que as falhas na gestão da empresa estavam relacionadas com transferências indevidas de capacidade de produção, recursos financeiros e propriedade intelectual “para uma entidade estrangeira detida pelo CEO e não relacionada com a Nexperia”.  

O tribunal determinou ainda que um diretor independente – não chinês e com poder de voto decisivo – seria nomeado para substituir Zhang e supervisionar a empresa. Todas as ações da Nexperia, com exceção de uma, foram transferidas para um advogado holandês e colocadas sob gestão em “custódia”, numa espécie de tutela temporária para garantir que a empresa não transfere ativos, tecnologia ou pessoal estratégico. 

A 7 de outubro, o tribunal ordenou a nomeação de um diretor e o empresário holandês Guido Dierick passou assim a ter temporariamente o poder de bloquear ou reverter decisões do conselho de administração da empresa que considere prejudiciais, segundo a Reuters.  

A Wingtech disse num comunicado no domingo que estava a consultar advogados e a procurar apoio do governo para “proteger os direitos e interesses legítimos da empresa”. 

Guerra Fria

O ministério da Economia dos Países Baixos invocou pela primeira vez a lei de disponibilidade de bens, alegando “uma ameaça à continuidade e salvaguarda, em solo holandês e europeu, de conhecimento tecnológico e capacidades cruciais”. 

Esta lei, “Good Availability Act” em inglês, foi promulgada há mais de 70 anos durante a Guerra Fria e permite ao governo assumir controlo temporário de empresas consideradas críticas para a segurança ou economia nacional em situações de emergência. 

Segundo o Ministério da Economia holandês, citado pelo Bloomberg, a Nexperia mostrava “graves deficiências de gestão”. O governo afirma que a medida pretende evitar que “os produtos fabricados pela Nexperia deixem de estar disponíveis numa emergência”. 

A ordem holandesa veio depois da decisão do governo de Trump de sancionar também as subsidiárias de empresas incluídas numa “lista de entidades” – e da qual a Wingtech fazia parte. Na semana passada, a China reforçou o controlo de exportação de materiais de metais de terras raras, naquela que é a sua primeira grande tentativa de exercer jurisdição sobre empresas estrangeiras. 

China vai ripostar

A reação de Pequim foi imediata: o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Lin Jian, criticou a decisão, acusando os Países Baixos de “uso indevido do conceito de segurança nacional” e de aplicar “medidas discriminatórias contra empresas chinesas”, segundo o Financial Times.  

A Wingtech classificou a ação como “interferência excessiva motivada por preconceitos geopolíticos” e afirmou que recorrerá a todos os meios legais e diplomáticos para contestar a decisão.  

No domingo, o Ministério do Comércio chinês listou a ação dos EUA como uma das razões pelas quais impôs restrições mais amplas ao comércio de terras raras. A Nexperia está sediada em Nijmegen mas tem subsidiárias em todo o mundo e afirmou, num e-mail do diretor legal e alianças globais, que “cumpre todas as leis e regulamentos existentes, controlos de exportação e regimes de sanções”.