45 eleitores que votaram antecipadamente em Lisboa descobriram que o boletim para a Assembleia de Freguesia de São Domingos de Benfica não tinha o quadrado correspondente ao partido Chega
Nunca um simples quadrado gerou tanta discussão. O erro detetado num dos boletins de voto antecipado para as autárquicas em Lisboa, em que faltava o espaço para votar no partido Chega, deixou a freguesia de São Domingos de Benfica em suspenso e levantou algumas dúvidas jurídicas.
“Nunca vi nada assim”, afirma o comentador da CNN Portugal Filipe Santos Costa, admitindo que o caso pode ser inédito. “Não me lembro de algo assim ter acontecido. Vou fazendo pesquisas para trabalhos que vou fazendo e nunca dei por uma situação semelhante a esta. Ainda assim, não excluo a possibilidade de já ter acontecido no passado.”
No total, 45 eleitores que se dirigiram à Câmara Municipal de Lisboa, a 5 de outubro, para exercer o voto antecipado, depararam-se com a anomalia: o partido Chega não tinha o normal quadradinho. Segundo fontes autárquicas ouvidas pela CNN Portugal, todos os boletins preenchidos pelos eleitores de São Domingos de Benfica, incluindo os que diziam respeito à Junta de Freguesia, à Assembleia Municipal e à Câmara de Lisboa, foram selados e guardados até esta terça-feira, quando começaram as assembleias gerais de apuramento de voto. O alegado problema levanta questões quanto à repetição das eleições para os 60 eleitores que votaram antecipadamente naquela freguesia.
“Parece evidente que só havendo problemas numa eleição não se justifica uma repetição. Existiam três boletins de voto. Foi detetado o erro em apenas um. Então só nesse boletim é que se deve repetir, no caso para a freguesia em causa”, começa por defender Filipe Santos Costa. “Não havendo problemas, não se deveria repetir eleições que correram com normalidade. São três eleições distintas”, acrescenta.
O comentador lembra que todos os eleitores votaram “em três eleições distintas”, e sublinha que Portugal “não é os EUA”. “Se fosse como as eleições americanas, em que todos os votos acontecem no mesmo boletim, obviamente deveria haver uma repetição total. Em Portugal temos três eleições em três boletins distintos. Não há razão para se mudar uma eleição que decorreu com normalidade.”
A mesma informação é parcialmente partilhada por Mafalda Anjos, que acredita que este será “um imbróglio político difícil de resolver”. “Tenho sempre muitas dúvidas neste tipo de tema, porque repetir a eleição é sempre o que deve acontecer. Se queremos estimular a participação dos cidadãos, o voto deve ser bem contabilizado e expresso nas melhores condições. A legítima expectativa é que a eleição para a freguesia seja repetida”.
Ainda assim, a comentadora da CNN Portugal sublinha que “pode dar-se o caso do novo resultado não mudar nada” e, para isso, deixa uma proposta: “Faz sentido repetir-se a eleição apenas na freguesia e apenas se houver uma possível alteração no resultado.”
Embora não alterem o resultado na freguesia, tendo em conta que o Chega ficou em quarto na freguesia a mais de 400 votos da CDU, que ficou pelo terceiro, estes 60 votos podem, no entanto, tornar-se um elemento decisivo num dos resultados mais renhidos das autárquicas deste domingo: a luta pelo terceiro lugar na Câmara de Lisboa e pela eleição de dois vereadores da oposição. O Chega terminou o escrutínio com apenas 11 votos de vantagem sobre a CDU, o que, pelo método de Hondt, lhe garante dois mandatos, deixando os comunistas reduzidos a um vereador.
“O Chega vai aproveitar esta situação”
“O Chega é muito bom a vitimizar-se e, com certeza, vai aproveitar esta situação para fazê-lo”. A tese é defendida por Filipe Santos Costa, que considera que, “mesmo que esses votos não sejam capazes de alterar a votação na freguesia, o Chega vai sempre dizer que o incidente foi premeditado, porque tem de ser constantemente vítima de alguma coisa.”
Para o comentador, o partido liderado por André Ventura, “mesmo quando não tem razão de queixa, queixa-se”. “Desta vez, tendo alguma razão, com certeza vai queixar-se.”
Já Mafalda Anjos acredita que o erro poderá ser “uma matéria-prima” para o segundo maior partido presente na Assembleia da República. “Tudo o que possa servir para a estratégia de vitimizar e descriminalizar o sistema, o Chega lança mão disso. Para o partido, é mais uma matéria-prima que vai usar nos próximos dias para ter tempo de antena, protestar, dizer que está a ser boicotado, vitimar-se e justificar os maus resultados que teve.” “O caso é complicado, e o Chega não vai facilitar”, refere.