Pontapés, insultos de governantes e ameaças de que seriam “gaseados”. É assim que Greta Thunberg, ativista sueca que embarcou rumo a Gaza na Flotilha Global Sumud, descreve os dias vividos numa prisão em Israel, depois de ela e outros membros da frota terem sido intecetados pelas autoridades israelitas.
Numa grande entrevista ao jornal sueco Aftonbladet, Thunberg conta que, quando os navios chegaram ao porto israelita de Ashdod, os militares israelitas indicaram-lhe que fosse a primeira a sair. A ativista, segundo conta, foi forçada a trocar de roupa e teve de trocar t-shirt a dizer “Palestina Livre” para uma em que se lia “Descolonizar”.
“Quando vou a sair do barco, havia um monte de polícias à minha espera. Agarram-me, mandaram-me para o chão e atiram uma bandeira israelita para cima de mim“, contou ao jornal, que, citando várias testemunhas, diz que tudo passou “dos zero ao cem” depois da chegada ao porto.
Greta diz ter sido arrastada para uma zona alcatroada e rodeada por uma cerca de ferro, local onde terá permanecido cerca de seis horas. “Eu vi, talvez, 50 pessoas ajoelhadas em fila, algemadas e com a testa no chão“, lembrou.
“Eles puxaram-me para o lado oposto ao dos outros, eu estava enrolada na bandeira [de Israel], bateram-me e pontapearam-me“, acrescentou, dizendo que lhe arrancaram o chapéu que usava. Porém, segundo o seu relato, as agressões não ficaram por aqui.
“Empurraram-me brutalmente para um canto, ficando de costas para eles”, continuou, acrescentando, que lhe disseram que tinham arranjado “um lugar especial para uma senhora especial” e lhe chamaram “prostituta” em sueco.
Segundo Greta, foi colocada uma bandeira israelita neste canto para que a ativista lhe tocasse. “Quando ela esvoaçava e me tocava, eles gritavam ‘Não toques na bandeira’ e davam-me pontapés nas costelas”, relatou, dizendo que havia guardas a fazer fila para tirar selfies enquanto estava amarrada. A jovem sueca diz ter sido obrigada a despir-se à frente dos militares, que acusa de não terem “qualquer empatia ou humanidade“.
Já na prisão, Thunberg diz “mal ter recebido comida ou água” e que os ativistas foram obrigados a beber a “água castanha” que saía das torneiras dos lavatórios da casa de banho das celas — o que levou a que muitos ficassem doentes. “Sentíamos que não podíamos chorar porque estávamos muito desidratados“, confessou, detalhando que estava “muito calor” naquela altura, “cerca de 40 graus”.
“Pedíamos constantemente: ‘Podemos beber água? Podemos beber água?’. […]. Os guardas passavam constantemente em frente às grades, riam e mostravam as suas garrafas de água. Atiravam as garrafas cheias para os caixotes do lixo à nossa frente”, assegura. À noite, relatou, os guardas passavam e acordavam os detidos com as lanternas.
De acordo com várias testemunhas consultadas pelo jornal sueco, houve uma ocasião em que cerca de 60 pessoas foram postas numa jaula pequena ao sol. “Quando as pessoas desmaiavam, batíamos nas jaulas e pedíamos um médico. Então os guardas aproximavam-se e diziam: ‘Vamos gasear-vos’”, disse ainda Greta, assegurando ainda que os agentes mostravam garrafas de gás.
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A ativista sueca diz que teve várias conversas com representantes israelitas, incluindo políticos e membros do próprio Governo, que lhe disseram que teriam oferecido ao Hamas a possibilidade de “trocar Greta por reféns“. “Quando, depois de um tempo, perguntei: ‘O quê?’, eles responderam: ‘Estávamos a brincar’. Outros repetiram: ‘Isto não é genocídio. Confia em nós, se quiséssemos cometer genocídio, conseguíamos fazê-lo’“, sublinhou.
Outro político que contactou com os membros da flotilha detidos foi o ministro da Administração Interna, Itamar Ben-Gvir, que se dirigiu a eles ainda antes de irem para a prisão. “Ele dizia: ‘Vocês são terroristas. Vocês querem matar bebés judeus“, recordou Thunberg, acrescentando que quem gritava em resposta era agredido pelos guardas.
A ativista queixou-se também de falta de apoio da diplomacia sueca, garantindo até que alguns membros da embaixada viram a cena das garrafas de água mas diziam que o seu trabalho ali era apenas “ouvi-los“.
Já em liberdade, a ativista recebeu a sua mala vermelha vandalizada: tinha escrito “Greta Prostituta”, o desenho de um pénis, rabiscos com a bandeira de Israel e do laço simbólico do apoio ao regresso dos reféns. “Parecem miúdos de cinco anos”, disse ao jornalista, rindo-se.
Questionada sobre se esperava ser tratada desta forma, Thunberg diz que sim e defende que nenhum elemento da flotilha deve ser visto como uma vítima, já que sabiam no que se estavam a meter quando partiram rumo a Gaza.
“Já tinham feito ameaças na primeira noite em que saímos de Barcelona de que nos tratariam como terroristas. Pela minha parte, nunca me senti com medo ou derrotada“, afirmou, apontando que o verdadeiro foco mediático deve ser posto naquilo que sofrem “milhares de palestinianos, centenas deles crianças” que diz estarem “detidas sem julgamento e, muito provavelmente, a ser sujeitas a tortura“.
“O que vivemos é apenas uma pequena parte do que os palestinianos viveram. Nas paredes das nossas celas na prisão, vimos buracos de balas com salpicos de sangue e mensagens gravadas por prisioneiros palestinianos que estiveram lá antes de nós“, acrescentou.
“Se Israel, sob os olhos do mundo inteiro, trata uma pessoa branca desta forma, com passaporte sueco, imaginem o que eles fazem com os palestinianos em segredo“, frisou.