Em 2006, moradores de um conjunto de nove casas dos anos 1920 e 1930 na Vila Mariana, em São Paulo, enviaram ao Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico) um pedido para que o local fosse tombado.
Nada foi feito. A vila na av. Conselheiro Rodrigues Alves estava prestes a ser demolida em 2019, quando o Conpresp, enfim, abriu o processo. A votação do caso aconteceria em agosto, seis anos depois da abertura, mas o tema foi retirado da pauta. O espaço segue vazio, protegido por um tapume.
Essa é uma forma objetiva e sucinta de contar essa história, que se desenrola há duas décadas. Uma outra maneira, de tom afetivo, está em “Amora”, um dos destaques entre os documentários brasileiros da Mostra.
O filme é dirigido por Ana Petta, cuja família foi a última a deixar a vila. O lamento pela iminente destruição do lugar, com quase 50 árvores, entre elas, uma amoreira, e os movimentos em torno da preservação são apresentados pelo ponto de vista dos filhos da cineasta e atriz. É por meio de Maria, 10, e principalmente de Pedro, de 4 anos, que acompanhamos esses momentos de resistência dos moradores.
Pedro surge diante da câmera com uma naturalidade surpreendente. Ele inventa palavras, cria brincadeiras no quintal e, ao seu modo carismático, defende que a vila seja mantida de pé. Ana Petta acerta ao dar ao caçula a representação da memória, um valor historicamente desconsiderado na cidade de São Paulo. Em Pedro, o passado se une ao que está por vir.
Ao lado de sua irmã, a médica Helena, Ana lançou há três anos “Quando Falta o Ar”, documentário que mostra o trabalho de profissionais de saúde no combate à pandemia da Covid-19. O filme foi vencedor da competição brasileira do festival É Tudo Verdade de 2022.
A diretora demonstra sensibilidade na transição de um retrato mais amplo da realidade brasileira para um registro íntimo de um episódio paulistano. Essa qualidade fica evidente, por exemplo, no modo como filma Pedro. Ela expõe o magnetismo do garoto sem jamais vulgarizar a presença dele.
Esse talento, unido ao cuidado, não a protege completamente de tropeços de outra ordem. Um deles é inserir uma cena em que Pedro põe pra tocar “Homem Primata” em meio à preocupação sobre a derrubada da vila. “Eu não sabia / que o homem criava / e também destruía” são alguns dos versos dos Titãs. Não é sem sentido associar a música com o descaso em relação à memória arquitetônica, o problema é que esse recurso resulta óbvio demais.
É, porém, uma falha pontual, algo menor diante dos trunfos de “Amora”.
Amora
Dias 16, às 21h30 (Espaço Petrobras 1); e 21, às 15h (Cinesesc). Livre