
Quando a física se cruza com a filosofia, nascem coisas bizarras. É o caso de uma equação que parece ter conseguido prever a queda do Muro de Berlim e a longevidade de Stonehenge, e que estima que vamos desaparecer algures entre… tpresente e tfim.
Desde que nos tornámos uma espécie inteligente e começámos a estudar o Cosmos, a Humanidade embarcou numa longa viagem de perceção de que não somos o centro do universo, da galáxia ou sequer do Sistema Solar.
Embora seja dececionante para uma espécie egocêntrica, esta constatação levou-nos a descobertas sobre a verdadeira natureza do nosso Universo, ou pelo menos a modelos mais próximos da realidade, diz James Felton, autor de “Assholes:The Dead People You Should Be Mad At“, no IFLS.
Apesar de existirem desafios à ideia de que o universo é homogéneo e isotrópico em todas as direções, assumir que o é permitiu-nos fazer previsões sobre a radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB) e sobre a métrica de Friedmann–Lemaître–Robertson–Walker (FLRW), que descrevem um universo em expansão, mais tarde confirmadas por observações astronómicas.
“O Princípio Copernicano — a ideia de que a Terra não tem uma posição especial ou privilegiada no universo — é uma pedra angular da maior parte da astronomia, é assumido sem questionamento e desempenha um papel importante em muitos testes estatísticos sobre a viabilidade dos modelos cosmológicos”, explicou em 2008 o físico Albert Stebbins, do Fermilab, à Phys.org.
Este princípio “é também uma consequência necessária da suposição mais ampla do Princípio Cosmológico: ou seja, não só não vivemos numa parte especial do universo, como não existem partes especiais do universo — tudo é igual em todo o lado, até variações estatísticas”, realçou Stebbins.
“É um princípio extremamente útil, pois implica que aqui e agora é igual a ali e agora, e aqui e então é igual a ali e então“, diz o físico.
“Não precisamos de olhar para trás no tempo na nossa localização para perceber como era o universo no passado; podemos simplesmente olhar muito longe, e dado o tempo que a luz demora a chegar, estamos a observar uma parte distante do universo num passado longínquo. Considerando o Princípio Cosmológico, esse passado é igual ao nosso passado“, acrescenta Stebbins.
Além disso, existe o Princípio Antrópico: a ideia de que observadores conscientes como nós só podem existir num universo que suporte vida.
Talvez existam muitos universos que não suportam vida, e não deveríamos ficar surpreendidos por nos encontrarmos a observar um universo que a suporta. Ou talvez o universo não seja igual em todo o lado.
Segundo vários físicos e filósofos, poderá haver informação útil a retirar da aplicação dos princípios Copernicano e Antrópico ao tempo. Alguns acreditam que isso poderia ser usado para colocar limites ao tempo que resta à Humanidade.
Este argumento, apresentado pela primeira vez pelo astrofísico australiano Brandon Carter num artigo publicado em 1983 na Philosophical Transactions, que ganhou temporariamente o nome de “Catástrofe de Carter”.
A ideia básica é que não devemos assumir que estamos numa região especial no tempo, tal como no espaço. Ao longo de todo o tempo desde que a Humanidade existe até ao seu fim, haverá um número finito de humanos — digamos, para simplificar, um total de 1 bilião de humanos.
Estatisticamente, devemos assumir que nascemos num ponto aleatório na história da Humanidade, e não num momento especial, como o início ou o fim, onde a maioria dos observadores típicos estaria.
“Assumindo que o que estamos a medir só pode ser observado no intervalo entre tinicio e tfim, se não houver nada de especial no momento atual, esperamos que tpresente esteja localizado aleatoriamente nesse intervalo”, escreveu o astrofísico J. Richard Gott num artigo sobre este tema publicado na revista Nature em 1993.
A estimativa tfuturo = (tfim – tpresente) = tpassado = (tpresente – tinicio) em metade das vezes irá sobrestimar tfuturo, e subestimar na outra metade”, explica Gott.
Segundo Gott, se r1 = (tpresente – tinicio) / (tfim – tinicio) for um número aleatório uniformemente distribuído entre 0 e 1, então há uma probabilidade P = 0,95 de que 0,025 1 .
Ou seja, com um nível de confiança de 95%:
1/39 x tpassado futuro passado
De forma semelhante, com uma confiança de 50%:
1/3 x tpassado futuro passado
De acordo com Gott, o tempo que algo tem sido observável no passado fornece um guia aproximado da sua robustez face a perigos e catástrofes, mas também da sua probabilidade de sobreviver no futuro.
Para que esta equação “funcione”, tendo em conta que é uma abordagem probabilística e há muitas variáveis que podem alterá-la, tudo o que necessário é assumir que a sua própria posição no tempo é aleatória dentro dessa distribuição de tempos possíveis.
Prever o fim da Humanidade não é algo que se teste facilmente, a menos que se deixe a conclusão a robots ou à espécie hiperinteligente de criaturas que herdará a Terra quando nós já cá não estivermos.
Mas, para demonstrar o seu funcionamento, Gott aplicou esta análise a um evento menos dramático, a queda do Muro de Berlim. Em 1969, Gott visitou o Muro de Berlim e Stonehenge, que existiam há cerca de 8 e 3.900 anos, respetivamente.
“Assumindo que sou um observador aleatório do Muro, espero estar localizado aleatoriamente no tempo entre tinicio e tfim — sendo que tfim ocorre quando o muro for destruído ou quando não houver mais visitantes para o observar, o que acontecer primeiro”, explica Gott.
“O Muro caiu 20 anos depois, o que dá tfuturo = 2,5 x tpassado, dentro dos limites de confiança de 95% previstos pela equação”, nota o astrofísico.
“A equação foi satisfeita não porque a minha visita tivesse, de alguma forma, causado a queda da URSS, mas simplesmente porque, em retrospetiva, podemos agora ver que o momento da minha visita não foi especial”, conclui Gott.
A mesma equação prevê que Stonehenge deveria ser observável — e de facto é.
A ideia de Richard Gott, que acabou por se tornar conhecida como o algo dramático “Argumento do Dia do Juízo Final”, tem sido usada para tentar perceber onde poderá situar-se a Humanidade no seu caminho para a inexistência.
Usando um modelo simplificado e estimativas do número de humanos já nascidos, em 1993, ano em que a população mundial se situava em cerca de 5,5 mil milhões, Gott estimava que o total esperado de humanos ainda por nascer se situasse entre 1,8 mil milhões e 2,7 biliões, com um nível de confiança de 95%.
Analisando as taxas de nascimento e morte, Gott sugeriu na altura que poderia não nos restar muito tempo enquanto espécie.
De facto, atendendo a que a população mundial é atualmente de 8,2 mil milhões de pessoas, desde que Gott formulou a sua teoria já nasceram 2,7 mil milhões de humanos, ou seja, já ultrapassámos o limite mínimo de humanos por nascer previsto na equação do astrofísico norte-americano.
Felizmente, o limite máximo de nascimentos é um numero confortavelmente muito elevado, o que significa que se a Humanidade acabasse por estes dias teríamos estado no lado “azarado” da distribuição de Gott.
Mas, neste ponto, poderíamos enquadrar-nos como observadores aleatoriamente distribuídos, encontrando-nos na Terra quando a população explode, mas muito próximos do fim.
“Combinando Nfuturo com a atual taxa de 145 milhões de nascimentos por ano, encontramos tfim , a menos que a taxa de nascimentos diminua”, acrescenta Gott.
Assim, se quisermos prolongar a nossa sobrevivência até ao limite máximo de 7,8 milhões de anos, seria necessário que a taxa média de nascimentos diminuísse por um fator superior a 400, realça o astrofísico.
Todas estas equações estão sujeitas a fatores variáveis, como as taxas de natalidade, a esperança média de vida, etc.
Por exemplo, poderíamos encontrar uma descoberta médica que nos permita viver muito mais tempo, ou, no campo oposto, um avanço na física que torne a vida significativamente mais perigosa para todos. Ou passar por uma guerra nuclear…
Além disso, há problemas com as “classes de observadores”. Por exemplo, os humanos evoluíram ao longo de muito tempo. Devem os nossos antecessores ser incluídos no cálculo? E se no futuro nos fundirmos com máquinas? Devem essas entidades ser consideradas observadores nesta equação?
Embora este seja um tema filosófico interessante de explorar, não há razão para nos preocuparmos por agora. A inevitável extinção da Humanidade vai acabar por ocorrer, algures entre tpresente e tfim — e isso será, muito, muito provavelmente, muito tempo depois de o seu tempo de observação ter terminado.