A partir desta quarta-feira, 15, e até o próximo domingo, 19, o mundo dos livros volta seus olhos para a cidade de Frankfurt, na Alemanha. Lá acontece a principal feira de negócios do mercado editorial global, onde serão definidos quais títulos serão publicados nos próximos anos. O Estadão conversou com Luciana Villas-Boas e Lúcia Riff, duas das principais agentes literárias brasileiras, para saber o que está em alta e o que elas esperam encontrar no evento.
Feira do Livro de Frankfurt começa na próxima quarta-feira Foto: Frankfurter Buchmesse/Divulgação
As duas concordam que “romantasia”, gênero que mistura romance e fantasia, e os romances eróticos, em especial o “dark romance”, seguem ditando tendências.
“Ambos os gêneros [romantasia e dark romance] têm origem e base de divulgação nas mídias da internet, principalmente o Kindle Unlimited e o Booktok. A novidade é a institucionalização do gênero com as autoras fenômenos da internet sendo representadas por grandes agências americanas e, no Brasil, a abertura ao gênero – falo aqui mais do dark romance – por parte das grandes editoras, o que não acontecia praticamente até este ano. A romantasia e o erótico saíram do gueto”, explica Luciana Villas-Boas.
Lúcia, da Agência Riff, cita ainda que os subgêneros dos romances eróticos, como “spicy cosy”, “dark academia”, “omegaverse”, têm espaços nas mesas de negociações de Frankfurt. A agente observa ainda uma força em “cosy fiction”, que prioriza narrativas leves, acolhedoras e reconfortantes.
E, indo para a não ficção, Lúcia observa também potencial em títulos sobre desenvolvimento da criatividade.
Luciana nota uma outra tendência importante no cenário global: a volta do que ela chamou de “romance cis”.
“Durante quase uma década, com exceção de Colleen Hoover, foi difícil ver histórias de amor entre homem e mulher. O que talvez tenha até contado para Hoover tornar-se tão grande. Número recente da revista americana The Atlantic comenta o retorno do romanção, mas acho importante ressaltar que as protagonistas do gênero jamais poderão voltar a ser jovenzinhas ingênuas, incapacitadas para a vida. Mudou para sempre a figura da mulher na ficção”, defendeu a agente que citou um romance americano intitulado Maria, Maria, escrito pela luso-americana Jennifer Galvão, que já foi vendido para 13 territórios linguísticos e segue para Frankfurt em alta.
Foto do LitAg, salão de negociações da Feira do Livro de Frankfurt, onde agentes e editores internacionais fazem negociações de compra e venda de direitos de livros que serão publicados em todo o planeta Foto: Marc Jacquemin/Feira do Livro de Frankfurt
A agente observa ainda a volta dos thrillers, demandados especialmente por editores brasileiros. E, neste sentido, ela cita See Jane Run, de Charlotte Alter, que foi definido por Luciana como um “Código da Vinci melhorado e feminista”. “No momento, está ocorrendo um leilão intenso entre editoras brasileiras por este livro”, disse.
O caminho inverso: o que as editoras estrangeiras esperam da literatura brasileira?
Luciana Villas-Boas trabalha também o caminho inverso, representando autores brasileiros no mercado internacional. À reportagem, a agente literária disse que o trabalho da agência começou mais cedo neste ano, o que permite apontar com clareza algumas apostas.
“Duas magníficas sagas históricas e familiares estão agitando nossa caixa postal: Confraria da Oliveira, de Luize Valente, a sair em abril pelo selo Contemporânea, da Autêntica, e A Oeste do Éden, de Anna Mariano, que será lançado nesse mesmo mês em 2026, pela Editora Globo”, exemplifica.
A agente aposta ainda no interesse de mercados internacionais por ficção assinada por homens que não se encaixam na pauta identitária. “No mundo inteiro, eles andaram sumidos do mercado editorial. Timidamente, estão voltando”, explica.
Neste cenário, dois autores brasileiros ganharão tração nas negociações em Frankfurt: Gabriel Abreu, com Triste Não é ao Certo a Palavra, que será lançado em novembro na Itália e acaba de fechar contrato para o espanhol; e Luca Brandão, com Não Acorde os Monstros, que, segundo a agente, está chamando a atenção de outros agentes ou editores internacionais. “Felizmente, ótimos livros não deixarão de ser publicados só porque seus autores são brancos héteros”, declarou.
A geopolítica e as novas tecnologias no centro dos debates
Além de um lugar para negócios, a Feira do Livro de Frankfurt é um palco global para debates da sociedade. Neste sentido, temas relacionados à geopolítica e às novas tecnologias ganham terreno.
Na sua programação oficial, a Feira do Livro de Frankfurt terá pelo menos 50 eventos voltados para os temas relacionados à política, com destaque para a literatura em regiões em crise, com especial atenção à Gaza, Ucrânia e ao Sudeste Asiático; direitos humanos; liberdade de expressão e democracia contra o autoritarismo e o populismo.
Figuras políticas de renome participam do evento, como a filipina Maria Ressa, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2021; Jens Stoltenberg, ex-secretário-geral da Otan, e o livreiro palestino Mahmoud Muna.
Maria Ressa, Prêmio Nobel da Paz, é um dos destaques da programação da Feira do Livro de Frankfurt Foto: Soraya Ursine/Estadão
As inteligências artificiais também serão debatidas em Frankfurt, jogando luz, em especial, às oportunidades e riscos que a nova tecnologia traz para o setor editorial. Um novo palco dentro da estrutura da Feira vai se dedicar exclusivamente ao tema. Um dos nomes de destaque neste assunto é a ministra da Justiça da Alemanha, Stefanie Hubig, que estará em Frankfurt para tratar de questões relacionadas à desinformação e deepfake.
Ainda falando da programação, o recém-eleito Prêmio Nobel de Literatura, o húngaro László Krasznahorkai estava escalado para a cerimônia de abertura para a imprensa, nesta terça-feira, 14. No entanto, ele teve um problema de saúde e não poderá comparecer. Para substituí-lo, a Feira do Livro de Frankfurt escalou a autora alemã Nora Haddada.
A autora alemã Nora Haddada fará a abertura para jornalistas, no lugar do Prêmio Nobel de Literatura, o húngaro László Krasznahorkai, que teve problemas de saúde Foto: Olga Blackbird
Brasil em Frankfurt
O Brasil terá uma representação oficial em Frankfurt, com representantes de 27 empresas ligadas ao setor editorial. Elas farão parte do estande do País na Feira, onde haverá uma programação com autores e editores brasileiros e ainda espaços para negócios e vendas de livros.
O estande é organizado pelo Brazilian Publishers, projeto de internacionalização dos conteúdos editoriais brasileiros encampado pela Câmara Brasileira do Livro e pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), com o apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Em construção: Estande brasileiro sendo montado na Feira do Livro de Frankfurt, que começa na próxima quarta-feira 15 Foto: CBL/Divulgação
Além da comitiva oficial comandada pelo Brazilian Publishers, uma outra, composta por nove autores e editores independentes, seguirá para a Alemanha, dentro do programa Passaporte Frankfurt, organizado pela Faculdade LabPub, dedicada a cursos na área editorial, em parceria com a própria Feira de Frankfurt e com a MVB, empresa ligada à organização da Feira, que atual no Brasil.
Na programação oficial do evento, o Brasil será representado também no Book-to-Screen, dedicado às relações entre a literatura e o cinema. O diretor Luiz Fernando Carvalho participará do evento para debater o filme A Paixão Segundo G.H., baseado em livro homônimo de Clarice Lispector e estrelado por Maria Fernanda Cândido. Ele conversará com a editora alemã Britta Egetemeier, do grupo Penguin Random House na Alemanha.