Aos 96 anos, completados nesta quinta-feira (16/10), Fernanda Montenegro segue como um farol que ilumina a dramaturgia brasileira. Atriz, escritora, imortal da Academia Brasileira de Letras e, acima de tudo, símbolo da força e da delicadeza humanas, ela construiu uma trajetória que atravessa gerações — e permanece viva em cada cena, cada palavra e cada olhar que já emprestou à arte.
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Arlette Pinheiro Esteves da Silva nasceu no Rio de Janeiro, em 1929. A menina que fez sua primeira peça aos oito anos em uma igreja se transformaria na “Dama do Teatro Brasileiro”. Aos 21, estreou profissionalmente nos palcos, ao lado do marido, o ator Fernando Torres, com quem viveria uma parceria artística e amorosa de mais de cinco décadas. Em 1951, tornou-se a primeira atriz contratada da TV Tupi, e, dali em diante, nunca mais deixou de atuar.
Nos palcos, nas telas e na memória do país, Fernanda construiu uma obra que é também espelho da história do Brasil. Da estreia na Globo, em Quatro no Teatro (1965), às novelas Baila Comigo (1981), Guerra dos Sexos (1983) e Belíssima (2005), a atriz imprimiu profundidade e verdade a cada personagem. No cinema, eternizou-se em Central do Brasil (1998), papel que a levou ao Oscar e a consagrou mundialmente.
Em 2013, venceu o Emmy Internacional de Melhor Atriz por Doce de Mãe, tornando-se a primeira brasileira a conquistar o prêmio. No mesmo ano, foi eleita uma das personalidades mais influentes do país pela revista Forbes.
Mas Fernanda Montenegro nunca se deixou aprisionar pelos títulos. Em entrevista ao Correio, durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2019, quando perguntada se se via como um patrimônio cultural da nação, respondeu com a lucidez que a define:
“Não. Não tenho esse lugar. Ninguém, na vida, é algo, sozinho. Nem quando se perde, nem quando se ganha. Tenho incontáveis companheiros de caminho. Não há solidão nisso. Faço parte de uma geração que produziu muito; tivemos um milagre de resistência. Mesmo que estejamos nas catacumbas, estamos vivos! Não houve morte; apenas estamos nas catacumbas.”
A fala sintetiza o espírito de uma artista que, mais do que interpretar, viveu e resistiu pela arte. Sua relação com o Festival de Brasília, inclusive, é antiga: foi premiada na primeira edição, em 1965, pelo papel em A Falecida, mas não pôde comparecer — o evento coincidiu com o nascimento de sua filha, Fernanda Torres. Décadas depois, mãe e filha dividiriam os créditos e o amor pela a atuação.
Fernanda Montenegro também é autora. Em Prólogo, Ato e Epílogo, autobiografia publicada em 2019, reflete sobre o tempo, o ofício e as transformações do país. Em 2022, aos 92 anos, viveu outro marco histórico: tornou-se a primeira mulher a ocupar a Cadeira 17 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo o diplomata Affonso Arinos de Mello Franco. “Agradeço muito, com meu coração e minha razão, estar sendo aceita por esse elenco que é protagonista da nossa mais alta cultura”, disse, emocionada, em seu discurso de posse.
Hoje, Fernanda Montenegro carrega o raro privilégio de ser unanimidade. Suas personagens — de Dona Picucha a Dora, de Central do Brasil — são tantas e tão profundas que se confundem com a própria humanidade. A atriz, que já disse não ter planos de se aposentar, continua trabalhando, estudando e inspirando.
Jornalista formada pela UnB, com passagens pela Secretaria de Segurança Pública do DF, pelo Instituto Federal de Brasília (IFB) e pela Máquina CW. Entusiasta nas áreas de cultura, educação e redes sociais, integra a equipe do CB-Online.