A pandemia da covid-19 pode ter acelerado o envelhecimento cerebral, mesmo em pessoas que não foram infectadas pelo SARS-CoV-2, segundo uma nova pesquisa.

Ao comparar exames de neuroimagem de adultos saudáveis ao longo do tempo, os pesquisadores descobriram que o cérebro de um indivíduo pareceu envelhecer em média quase seis meses para cada ano vivido durante a pandemia.

“O que mais me surpreendeu foi que mesmo pessoas que não tiveram covid-19 apresentaram aumentos significativos no ritmo de envelhecimento cerebral”, disse em uma declaração o autor principal do estudo, Dr. Ali-Reza Mohammadi-Nejad, Ph.D., ligado à University of Nottingham, na Inglaterra. 

“Isso mostra bem o quanto a experiência de ter passado pela pandemia em si, desde o isolamento até a incerteza, pode ter afetado a saúde do nosso cérebro”, disse o Dr. Ali. 

O estudo foi publicado on-line em 22 de julho no periódico Nature Communications. 

Dados do UK Biobank

Além das manifestações respiratórias e sistêmicas bem documentadas da infecção por SARS-CoV-2, evidências robustas ressaltaram a capacidade do vírus de atacar o sistema nervoso central.

Estudos mostraram altas taxas de fadiga, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e comprometimento cognitivo em pacientes que tiveram covid-19. Além disso, pesquisas revelaram possíveis associações entre covid-19, declínio cognitivo, alterações cerebrais e assinaturas moleculares relacionadas ao envelhecimento cerebral. 

O Dr. Ali e outros pesquisadores investigaram o impacto da pandemia sobre o envelhecimento cerebral usando dados longitudinais de ressonância magnética cerebral de 996 adultos saudáveis que fazem parte do UK Biobank (um grande banco de dados biológicos da população britânica). Alguns participantes foram submetidos ao exame antes e após a pandemia (grupo pandêmico), enquanto outros foram avaliados apenas antes da pandemia (grupo controle). 

Os pesquisadores usaram técnicas de imagem avançadas e aprendizagem de máquina para estimar a “idade cerebral” de cada pessoa, isto é, a idade que o cérebro daquele indivíduo parecia ter em comparação com sua idade real. Foram utilizados exames de 15.334 indivíduos saudáveis para desenvolver um modelo de idade cerebral.

Os resultados mostraram que, mesmo avaliando participantes pareados conforme a diferença inicial em relação à idade cerebral (idade cerebral prevista versus idade cronológica) e de acordo como uma série de marcadores de saúde, a pandemia acelerou significativamente o envelhecimento cerebral.

Em média, o grupo pandêmico apresentou um aumento de 5,5 meses na diferença de idade cerebral no segundo ponto temporal avaliado (após a pandemia) em comparação com o grupo de controle.

No grupo pandêmico, o aumento da idade cerebral foi correlacionado a escores mais baixos em testes cognitivos tradicionais, o que pode ajudar a explicar por que algumas pessoas que tiveram covid-19 apresentaram prejuízos cognitivos, disseram os pesquisadores.

A aceleração do envelhecimento cerebral foi mais acentuada em homens e pessoas de origens sociodemográficas vulneráveis, e esses efeitos foram vistos independentemente da presença ou ausência de história de infecção pelo SARS-CoV-2.

“Nossos achados fornecem informações valiosas sobre como a pandemia da covid-19 afetou a saúde do cérebro, demonstrando que os efeitos globais da própria pandemia, mesmo sem a presença de infecção, causaram alterações prejudiciais significativas na saúde cerebral, potencializadas por fatores biossociais (idade, saúde e desigualdades sociais) em uma população saudável de indivíduos de meia-idade e idosos”, disseram os pesquisadores. 

“É importante notar que a intensidade da aceleração do envelhecimento cerebral verificada em um grupo controle pré-pandêmico pareado, vista tanto na substância cinzenta quanto na branca, foi semelhante em subpopulações infectadas e não infectadas”, eles ressaltaram. 

Dados devem ser interpretados com cautela

Em uma declaração do Science Media Center, uma organização sem fins lucrativos britânica, vários especialistas comentaram os resultados.

“Embora essa seja uma análise conduzida com muito cuidado, temos que ser cautelosos com a interpretação [dos achados]”, disse o médico Dr. Masud Husain, Ph.D., professor de neurologia e neurociência cognitiva vinculado à University of Oxford, na Inglaterra.

“A diferença na idade cerebral entre os dois grupos (conforme as imagens de ressonância cerebral) foi em média de apenas cinco meses, e a diferença no desempenho cognitivo entre os grupos foi restrita ao tempo total gasto para completar um dos testes. Isso realmente faz alguma diferença significativa na vida cotidiana?”, questionou o Dr. Masud.

“Além disso, o intervalo entre os exames foi muito menor nas pessoas avaliadas antes e após a pandemia, em comparação com aquelas que fizeram os dois exames antes da pandemia. Portanto, não sabemos se o envelhecimento cerebral teria se revertido caso mais tempo tivesse transcorrido”, disse o Dr. Masud.

O médico Dr. Maxime Taquet, Ph.D., professor associado ligado ao Departamento de Psiquiatria da University of Oxford, disse: “É importante ressaltar que a maioria das pessoas apresentou um envelhecimento cerebral no ritmo esperado”.

No entanto, ele também disse que os achados levantam “questões importantes sobre o impacto neurológico da pandemia no longo prazo, seja devido à infecção em si ou ao estresse psicológico e social mais amplo causado por ela”.

O Dr. Eugene Duff, Ph.D., ligado ao Departamento de Ciências do Cérebro do Imperial College London, na Inglaterra, alertou que “sendo um estudo observacional, não é possível excluir totalmente que fatores não relacionados à pandemia possam contribuir para a aceleração observada.

“Embora os eventos da pandemia tenham sido excepcionais, esse trabalho demonstra os efeitos intensos que as condições de vida de um indivíduo podem ter sobre a sua saúde cerebral e cognitiva, e o valor da análise minuciosa da miríade de fatores locais e globais que contribuem para essas condições.”

O estudo não teve nenhum financiamento privado. Os autores da pesquisa e os Drs. Masud Husain, Maxime Taquet e Eugene Duff informaram não ter conflitos de interesses.

Este conteúdo foi traduzido do Medscape